Translate

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"Biscuit", um tipo do Mercado Central de Aracaju

Cléa Maria Brandão

Há mais de 30 anos a vejo “zanzando” pelo Mercado Central de Aracaju. Todos a chamam “Biscuit”, talvez por sua pequena estatura, seu corpo magro e de aparência frágil. Encontro-a após alguns anos de tê-la perdido de vista. Vestia uma calça jeans enorme com várias dobras para lhe compor; uma camisa masculina também enorme que lhe ia até os joelhos; uma bolsa gasta no braço e o mesmo sorriso de boca de dentes ausentes.
Puxei conversa. Perguntei-lhe o nome e ela disse ser Maria Josefa dos Santos, idade não sabe ao certo, mas nasceu em 1945, logo 60 anos. Foi então me visando: não bebo mais, só fumo. Segundo suas palavras, vivia na cachaça, mas está “endireitada”. Quando conheci “Biscuit”, ela sempre se encontrava embriagada, falando muita “bazófia”, sempre em brigas com a polícia ou com os desafetos do momento, nas mesas de bar do mercado. Mostrava “orgulhosa” as cicatrizes de facadas que tinha no corpo. Mas ela sempre vencia, é claro, mesmo quando o adversário era um forte policial, gabava-se.
Perguntei-lhe se tivera filhos e onde estavam e ela disse que sim, os tivera, mas nem sabia deles. Parentes os criara, mas ela não tinha contato. Fora cria do Mercado, não se lembra do pai, nem de mãe e, às vezes, nem do próprio nome, pois só ouve ser chamada de “Biscuit”. Atualmente, conseguiu uma casinha na Piabeta, em Nossa Senhora do Socorro, que alguém lhe facilitou. Porém, todos os dias, logo cedo, marca presença no mercado e, segundo ela, enquanto viver assim será.
-De que você vive, "Biscuit”?
Pedindo a todos que passam e, segundo ela mesma, não lhe falta nada: nem roupa, nem comida, nem amigos velhos e novos, no meio do mercado, que é o seu habitat.
Depois do nosso bate-papo o cachê foi cobrado.
-Quanto você quer?
-Um real tá bom, e um quilo de carne de costela.
Feito o devido pagamento, saí pensando em como o ser humano tem a capacidade intrínseca de sobreviver no lado marginal e hostil da vida. “Biscuit” nunca foi à escola, viveu sempre à margem da sociedade, mas sobreviveu, e ainda sobrevive, assim mesmo.
A vida, por si só, traz uma força impossível de ser aquilatada.
E aí segue “Biscuit” no seu cotidiano, conhecida por todos os feirantes e muitos dos freqüentadores do mercado.
Enfim, eis aí um “tipo” de Aracaju, “Biscuit”, uma pequena mostra do aracajuano que, a despeito de todas as adversidades, compõe a paisagem de um lugar tão visitado por turistas. ”Biscuit” se orgulha de já “ter ido ao estrangeiro”, em filmagens e fotos desses catadores de tipos interessantes da nossa cidade.