Translate

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Placebos


PLACEBOS

      Já não suporto mais tomar placebos. São 24 horas por dia.
   Há momentos em que os tomo pelos exemplos: Sófocles tinha oitenta anos quando escreveu Édipo;      Fontenelle morreu centenário; Voltaire, Jean Jacques Rousseau e Gota exprimiram seu gênio justamente, nos últimos anos de vida. Clemanceau “Au Soir de La Pensé” (Na Noite do Pensamento) com oitenta e nove anos. Um médico de Havre, o doutor Boissy exercia ainda sua profissão aos cento e dois anos de idade.
      “As ideias – diz William James – são forças”.
     Crendo que serei tão jovem quanto a fé que tenho no que realizo, continuo em frente. Certa feita eu li que mais vale fazer a coisa mais inútil do mundo do que não fazer Ada. Diante de tais divagações deparo-me ainda com o dia a dia e as ocorrências repetitivas, com tendências a um término que já antevejo e reconheço.
     Hoje, porém desisti dos Placebos e com os cabelos ao vento, o sol a crestar-me a pele, corri pela praia. O mar estava lá e refleti: o mar é calmo, o mar é bravio. Deixei que a onda beijasse os meus pés e das espumas, e em loucos arabescos, consenti que viesse encrustar-se em meus artelhos. Embaralhando as ideais com os raios solares, bebi gotas do oceano que me desceram pela garganta como favos de mel. 
   Se a areia branca fosse a página de um livro e as minhas pegadas o soneto sonhado, aquele oceano imenso, infinito levar-me-ia de encontro ao céu.
    Resolvi, então, fazer uma fossa enorme e dentro dela jogar o pedregulho que me impedia de andar na vida. Com um balde de criança peguei a água verde do mar e deixei que a areia tragasse com sua avidez milenar. Olhei em derredor: banhistas, mangues, carros, bicicletas, gente, bichos – tudo estava no mesmo, porém, eu estava diferente.
   Comecei pelos pés: eram espumas brancas, quais pérolas graníticas (pela fortaleza) que me prendiam ao solo, o corpo era de areia e de conchas, pedrinhas... Interessante, não vi meus braços.
   O rosto não tinha olhos (dois pedaços do céu); mas, o mais importante eram os cabelos que ficaram verdes e se confundiam com o verde do mar.
    Respirei? Vivi?
    Não mais tomei PLACEBOS.

De: Maria da Conceição Ouro Reis - do livro inédito- “Os Executores”.