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sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A PELE DO AR


              Carlos Britto, advogado com o título de Doutor em Direito Constitucional pela PUC é conhecido nacionalmente pelo seu trabalho em prol da justiça. Mas não é apenas como jurista que Carlos é conhecido, lido nos jornais, visto e ouvido na televisão. Ele tem o nome ligado também à poesia lírica, a divina arte de Érato. A sua poesia é herança genética do seu pai, João Fernandes de Britto, de quem ocupa a cadeira de nº 33 desta Academia.
              Carlos Britto acaba de lançar o seu quarto livro de poesia, em magistral noite de autógrafos, no Palácio Olímpio Campos. Recepção para ninguém botar defeito. Gente, muita gente a cumprimentar o amigo Carlinhos e adquirir, autografado, o novo livro.
            A Pele do Ar nos apresenta um Carlos que crê e que duvida. O que é muito bom porque a dúvida leva à reflexão, à busca da verdade que ele encontra e define em nada menos que vinte poemas falando em Deus, de Deus, sobre Deus: A razão problematiza Deus / Mas não consegue dar conta do tema / Como pode a razão dar conta do tema / Se em matéria de Deus / A razão é que é o problema? Ou em Amor: Deus ainda repousava no seio do nada / Quando um sutilíssimo perfume o acordou. Para o início de tudo. Esse perfume foi a primeira coisa a existir / Depois do sonho do Senhor / E o santo nome d’Ele, ainda hoje é amor! E ainda em Desencontro, onde ele, Carlinhos, “não se acha de todo presente” porque sempre “algo em mim está no futuro; ou então no passado”. “E como Deus não gosta de meia conversa / Nada pela metade / Nada incompleto / Ele gira nos calcanhares / E adia o encontro”. A Pele do Ar nos apresenta o Carlos filosofando sobre fatos e sentimentos como em Causa e efeito: Quando a gente esquece / Por muito tempo / De se alegrar / Por muito tempo as coisas / Se lembram de piorar. Ou em Juventude e jovialidade: A juventude parte / Quando a gente se pega minoria / Em toda reunião que faça. Mas a jovialidade fica / Se a gente não vê nisso / Uma desgraça.
          Carlos é mestre também no humor, no trocadilho; vejamos em Verso e reverso: Nada melhor que o abandono do silêncio e/ Nada pior do que o silêncio do nada.
         O social é presença marcante na poesia de Carlinhos, como se vê em Brasil 500 anos; Dois pesos, duas medidas; Meninos de Rua; Jornaleiros etc. Vestido na pele dos Meninos de rua, ele assim nos fala: Estas avenidas e pontes e praças / Os becos todos da cidade / Tudo isto que é tão compulsivamente nosso / O dia inteiro / Nós trocamos e não pedimos volta / Senhor Presidente / Por uma casinha pra gente. Ou em Jornaleiros: Os meninos que vendem jornais / Pelas ruas / Me interessam mais / Do que os jornais vendidos.
A mulher é motivo de louvação em A pele do ar. Não apenas a sua, Rita, mas a mulher ser integrante da humanidade – Mulher: Eva não nasceu da costela de Adão / Deus a fez de barro próprio / E nesse barro Ele botou alma de mais. / Tanta inspiração Ele botou na argila informe /Que ao terminar sua obra de beleza enorme / Falou em meio a suspirosos ais: Obra de arte igual a esta / Prometo a mim não repetir, jamais / Desde então a mulher se tornou / De ponta a ponta deste planeta chão / A obra-prima da divina inspiração.
Em A Pele do Ar Carlos Britto revela-se, nos dá a conhecer com simplicidade e beleza o seu “eu interior”, sua maneira de ver e sentir a vida fluindo no Planeta Azul e a sua própria vida, seu modo de ser, de sentir como em Realvorecer: dedicado ao amigo Wagner Ribeiro: Não nasci dormindo / Nasci acordado / Assistindo ao espetáculo / Do seu alvorecer. Que seja assim também / Quando eu morrer / Quero partir acordado / Consciente / Na certeza de que a morte / É operária igual à noite / Infalível tecelã / De uma nova manhã.
       É assim o nosso poeta Carlos Britto – compõe seus belos poemas, plenos de “finesse” (desculpem o galicismo, porque finura não dá) e como um cavaleiro medieval os oferece, graciosamente, aos amigos. Eu mesma fui agraciada com esta delicadeza em Pássaros: Um pássaro branco passou pelo céu de Aracaju / À noite e desapareceu / Surgiu / Como se viesse do nada / Sumiu / Como se para o nada / Partisse. / Não importa / Porque entre o nada do início / E o nada do fim / O pássaro foi tudo para mim. / Não será assim também / Com o amor? / Um tudo atravessado / Entre dois nadas?/ Um ponto de luz / A correr / Pelo breu das estradas?
      Lendo A Pele do Ar, de repente minha memória mergulho no passado e trouxe de volta “Ouvir estrelas”, de Bilac: Ora (direis) ouvir estrelas! Certo / Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, que para ouvi-las, muita vez desperto / E abro as janelas pálido de espanto. / Direis agora: tresloucado amigo / Que conversas com elas? Que sentido / Têm o que dizem, quando estão contigo? Eu vos direi: Amai para entendê-las / Pois só quem pode ter ouvido / Capaz de ouvir e entender estrelas.
   Hoje surge Carlos Britto com o livro A Pele do ar. E o ar por acaso tem pele? É preciso muita sensibilidade, alma de poeta para ver, sentir, cheirar, acariciar A Pele do Ar. E sensibilidade, alma de poeta é o que Carlinhos tem à flor da pele.

De Maria Lígia M. Pina..