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domingo, 8 de junho de 2014

Tobias Barreto, um gênio multiforme



Maria Lígia Madureira Pina


Parafraseando Werner Keller, em sua notável obra “E a Bíblia tinha razão”, referindo-se a David, eu indago: onde haverá um homem que seja, ao mesmo tempo, poeta, jurista, crítico, filósofo, poliglota, violinista e professor? E eu mesma respondo: este homem existiu. Nasceu e viveu em nosso meio. Neste Nordeste ardente, berço de tantos homens ilustres: é Tobias Barreto de Menezes. Nascido em Campos - hoje Tobias Barreto – mudou-se para Recife aos 23 anos de idade a fim de prestar exames para a Faculdade de Direito, onde iria ter como colega Antônio de Castro Alves. Juntos, fundaram a última fase do Romantismo, no Brasil, a que Capristano de Abreu denominou de ‘Escola Condoeira’, isto é “ Escola de Altos Vôos”, como o condor.
Terminado o curso de Direito, Tobias foi residir na cidade pernambucana de Escada, onde exerceu a profissão de advogado. Aí, dá início à segunda fase de sua vida cultural e política, a que Silvio Romero (outro sergipano ilustre) denomina de “dedicação à crítica”. Não apenas à crítica literária, mas a crítica aplicada à filosofia, à política, ao direito e à religião. “É o exame e a meditação de todos os problemas – o de Deus e o do homem, o da matéria e do espírito, o da sociedade e o da ciência”, como afirma Luís Delgado, em “Vozes e Gestos de Pernambuco”.
Tobias volta para Recife em 1881 e em 1882 realiza brilhante concurso público para a Faculdade de Direito e é nomeado professor. De acordo com informações de Dionísio Gama, os alunos tinham por ele verdadeiro fanatismo, E quando voltavam para suas províncias (os atuais estados do Brasil), divulgavam o nome e as idéias do mestre. Estava fundada a terceira fase da vida de Tobias: a Escola do Recife, da qual todos se orgulhavam de pertencer:Graça Aranha, Abelardo Lobo, Clóvis Bevilácqua e os sergipanos Silvio Romero, Fausto de Aguiar Cardoso, Gumercindo Bessa, entre outros. Ronaldo de Carvalho afirma: "Tobias preparou uma geração de homens fortes, no mais belo sentido da palavra. Fortes porque eram sãos, porque procuravam a razão das coisas, as bases profundas do caráter nacional e as íntimas raízes da nossa raça, na sua poesia, nos seus costumes e na sua língua”.
Um poeta que completará no próximo ano um século de falecimento, mas que continua atualíssimo, como podemos constatar no poema a seguir: 

" DECADÊNCIA

Tobias Barreto

Nós já não temos caracteres nobres,
Nem voz, nem sombra de Catões e Gracos;
O céu tem pena de nos ver tão pobres,
O mar tem raiva de nos ver tão fracos.

Por que não te ergues, ó Brasil fecundo,
Por vastas ambições, por fortes brios?
Que glória é esta de mostrar ao mundo, 
Em vez de grandes homens, grandes rios?...

Bastas selvas, um céu azul imenso,
Que os corações em flor bafeja e rega:
Uma terra abrazada como insenso.
Que do sol no turíbulo fumega?

Nada vale, se não há quem te ofereça
Para d’alma arrancar-te o negro espinho...
Tudo em baixo!... não surge uma cabeça
Em que altas idéias façam ninho!...

Donde é que teu primor, pátria, derivas?
Por que ao orgulho, ingênua te abandonas?
Ai!... as outras nações dizem altivas
Pitt ou Bismark: e nós?... O Amazonas?...

O cetro é nulo, e os ânimos languescem
Da indiferença no pesado sono...
Não vem as horas em que as águas crescem.
E a onda morde na raiz do trono...

Que o povo fale, isto é, prenda na boca
A escuma, a raiva, o fel dos oceanos
E a braza dos vulcões! Matéria pouca
Para cuspir na face dos tiranos.

Tiranos? Sim, que matam o progresso.
Que sufocam a luz e o direito.
Para quem toda idéia é um excesso!...
Não há mais fogo do Brasil no peito!... "

Publicado no jornal A TARDE, segunda-feira, 28 de novembro de 1988.
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HINO Á VIRGEM 


Tobias Barreto

Maria!Diva Suprema!
Maria! Mares sem fim!
Maria! Místico exemplo
Quem é que te chama assim?
Quem é que me eleva tanto
Nos devaneios d’um canto
Tão digna dos votos meus?...
Quem é essa criatura?
-É Maria, a Virgem Pura,
É Maria, a Mãe de Deus!

É esse divino Lírio
Que plantado entre mil flores
Nas miríades do Empírio
Esparge infindos odores
Essa palma do Carmelo
D’um verdor que não mais belo,
Nem mais puro o mar verdeja;
Que formosa se balança
Como ramo de esperança
Nos vergéis da Santa Igreja!

Do Criador, Mãe e Filha,
Protetora dos mortais,
Odora fresca ambarilha
Dos olfatos virginais.

Sergipe - 1854.
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Tobias Barreto de Meneses nasceu na vila sergipana de Campos, a 7 de junho de 1839. Foi filósofo, poeta, crítico e jurista brasileiro e fervoroso integrante da Escola do Recife, um movimento filosófico de grande força calcado no monismo e evolucionismo europeu. Considerado o fundador do condoreirismo brasileiro é patrono da cadeira n. 38 da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em Recife, no dia 27 de junho de 1889.

Livros publicados pelo Instituto Nacional do Livro:

1866) O Gênio Humanda idade 
(1868) -A Escrav-idão.(1874) -Que Mimo 
1875) -Ensaios e estudos de filosofia e crítica 
(1876) -Brasilien, wie es ist 
(1879) -Ensaio de pré-história da literatura alemã, Filosofia e crítica, Estudos alemães 
(1881) -Dias e Noites 
(1884) -Menores e loucos 
(1887) -Discursos 
(1901) -Polêmicas