..."Maria Lígia Madureira Pina partiu para outra dimensão de vida em 14 de agosto de 2014, deixando um rastro luminoso na sua passagem terrena. Não precisou prestar contas ao criador, pois eram muitos os créditos acumulados na corte divina, que os portões do paraíso já estavam abertos. Nenhum porteiro a lhe cobrar credenciais... Ela sorridente entrava ouvindo a música celestial e o coro dos anjos louvando a sua chegada."
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Afirmam os estudiosos da cultura oriental que os
cidadãos japoneses, de todas as classes sociais, são obrigados a se curvar
diante do imperador, em sinal de subserviência e respeito. Há uma categoria
profissional, entretanto, que não é obrigada a fazer esta reverência. Poderá fazê-la
se quiser, em sinal de respeito, de consideração, nunca por obrigação: é a
categoria dos professores. O Imperador japonês, por sua vez, não deve se curvar
diante de ninguém, a não ser diante de seus mestres em sinal de consideração e
gratidão. O divino imperador japonês, se curva diante de um humilde cidadão. Um
humilde cidadão, mas um cidadão sábio. É essa sabedoria que se respeita
juntamente com o homem que a possui. O imperador sabe que jamais teria a
sabedoria necessária para governar se não fossem os ensinamentos e a orientação
dos seus mestres. Para eles, numa terra onde não há professores não pode haver
imperadores.
No Japão, essa valorização do mestre foi uma das
responsáveis por tirar o país do caos em que mergulhou depois da Segunda Guerra
Mundial. Seguindo esta política de valorização dos professores, o Japão
tornou-se a segunda maior potência econômica do pós-guerra.
- Sr. Presidente, minhas senhoras e meus senhores,
estamos aqui reunidos nesta assembleia, para
reverenciar, como fazem os imperadores japoneses, à memória desta grande mestra,
Maria Lígia Madureira Pina, que deixou um rastro de boas ações e de realizações
pelos caminhos que percorreu semeando as sementes do saber, plantadas e bem
cuidadas pela dedicação da mestra que ensinou a tantas gerações. Digo mestra, senhor
presidente, porque o professor é aquele que apenas ensina, e o mestre ensina e dá
exemplos.
A acadêmica Maria
Lígia Madureira Pina não foi apenas uma professora, foi acima de tudo uma
grande mestra que soube transmitir com segurança os seus conhecimentos e mais
do que isto, soube ser exemplo aos alunos e a toda a sociedade sergipana: foi
exemplo de dignidade, foi exemplo de dedicação, foi exemplo de responsabilidade no desempenho das suas funções, foi
exemplo de amor com sua arte literária, foi exemplo de comprometimento com as duas
academias das quais participava, foi exemplo
de muitas virtudes.
Dom
Helder Câmara, no seu livro “Mil Razões para Viver” publicou um pequeno poema
de grande significado falando sobre a virtude da docilidade, e assim ele dizia:
“existem pessoas que são como cana de
açúcar, mesmo que sejam esmagadas, maltratadas e feridas só sabe dar doçura”.
E a Acadêmica Lígia Pina foi um exemplo de doçura. A virtude da docilidade
consiste numa força magnética que atrai a todos, a vida se torna mais suave
quando a pessoa age com docilidade. Não confundir doçura com fraqueza. Quem a
conheceu sabe disso!
Tenho observado que as mulheres que transmitem
doçura têm uma determinação e uma fortaleza de espírito inquebrantável, não se
dobram nem esmorecem diante das adversidades, ao contrário, sabem enfrentá-las sem temores. Assim foi Irmã Dulce, assim
foi Madre Tereza de Calcutá, assim foi D. Maria Virgínia Leite Franco, assim
foi Maria Lígia Pina. Assim foram tantas mulheres que traziam a doçura no
sorriso e a tempera do aço no espírito.
Maria
Lígia Madureira Pina nasceu em Aracaju, em 30 de setembro de 1925. Era a única filha do casal formado por
Afonso Pinna e Alexandrina Madureira Pinna. Iniciou a sua educação formal na
escola de D. Carlota Sales de Campos onde aprendeu as primeiras letras e
adentrou o mundo mágico dos números, dominando o manuseio da tabuada. Ali,
recebeu de sua primeira professora os ensinamentos básicos, recheado de
conhecimento e saber, que serviram como esteio para o desenvolvimento
intelectual e o futuro aprendizado profissional. Dai, passou a estudar no
Colégio Nossa Senhora de Lourdes, indo posteriormente para a Escola Normal.
Já
professora, graduada pela Escola Normal, tentou fugir do magistério, para atuar
como comerciária, na firma Cabral Machado & Cia, tentativa esta frustrada
diante da sua pouca aptidão para a prática comercial e da sua grande vocação
para o Magistério e principalmente porque havia conquistado no curso do
Instituto de Educação Rui Barbosa, um amadurecimento social e cultural, capaz
de transmitir aos adolescentes aracajuanos, os conhecimentos obtidos naquela instituição
de ensino público.
Definitivamente
convencida do seu pendor para lecionar, inaugurou o seu talento e vocação para
o magistério como professora autônoma, com a tarefa de dar aulas de reforço a
crianças da sociedade aracajuana. Nesse tempo, preparava-se, também, para o
vestibular da Faculdade de Filosofia de Sergipe, merecendo brilhante aprovação.
Graduando-se
em História e Geografia, pela antiga Faculdade Católica de Filosofia de
Sergipe, dedicou-se ao magistério por mais de três décadas, lecionando aulas de
História, Geografia e Sociologia na rede pública do ensino estadual, em
especial no Colégio Estadual Atheneu Sergipense, Instituto de Educação Rui Barbosa,
no Colégio Dom José Thomaz, Colégio Nossa Senhora de Lourdes, no Colégio de
Aplicação da Universidade Federal de Sergipe, no Colégio Tiradentes onde foi
professora fundadora e recebeu homenagem da UNIT por este fato, além de outros colégios
de Aracaju.
No
exercício das suas funções como educadora inovou os métodos de ensino criando
peças de teatro, palavras cruzadas e charadas, como formas de transmissão de
conhecimento. Encenou duas peças teatrais de caráter histórico com objetivos
didáticos: O Viajante do Tempo com
alunos do Colégio Aplicação da UFS, em 1975; e o Ponto Ômega com alunos e professores do Colégio Estadual Atheneu
Sergipense em 1979. Publicou ainda trabalhos de cunho didático a exemplo da
obra Riquezas do Brasil, em 1969, “Tudo isso é Brasil”, “História do Brasil
(da Colônia à Revolução de 1930)”.
No
decorrer da sua carreira participou de várias bancas examinadoras e de eventos
educacionais no Brasil e no exterior, valendo destacar o Curso de Sistemas Educacionais, que freqüentou em Israel, no ano de
1989.
Ademais,
teve uma participação efetiva nos acontecimentos e nas instituições culturais
de Aracaju, com incursões no jornalismo e na vida sindical do magistério, pois foi
Presidenta do Sindicato dos Professores durante cinco anos. Foi ainda Membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, da Associação Sergipana de
Imprensa, do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Literária de Vida, e da
Academia Sergipana de Letras.
No
jornalismo, a intelectual Maria Lígia Pina colaborou com suas bem elaboradas
crônicas, artigos e poesias, para os jornais A TARDE, suplemento local; Arte e
Literatura, suplemento da Gazeta de Sergipe; O Sergipense, do qual foi
fundadora e editora; Jornal da Cidade; Letras Sergipanas, da Academia Sergipana
de Letras; jornais e revistas da Academia Literária de Vida entre outros.
Poetisa desde a
infância escreveu seus primeiros versos aos dez anos de idade. Além de poetisa
foi contista, cronista, romancista e teatróloga. A poesia e a arte sempre estiveram presentes
na vida da intelectual Maria Lígia Pina e ela deu uma valiosa contribuição ao
desenvolvimento cultural de Sergipe. Em 20 de dezembro 1992, juntamente com as
ex-colegas e amigas: Leyda Regis, Maria da Conceição Ouro Reis, Yvone Mendonça
de Souza, Maria Hermínia Caldas e Shirley Maria Santana Rocha, Cléa Maria
Brandão fundou a Academia Literária de Vida da qual foi presidenta até seus
últimos dias. Nesse sodalício, hoje composto por 12 acadêmicas, as integrantes expõem
seus talentos apresentando peças literárias, poesias, desenvolvem pesquisas
voltadas para a cultura, promovem palestras, publicam revistas contendo obras
das acadêmicas, além de manter um blog divulgando as atividades ali realizadas.
Nesta academia há um clima de solidariedade e de convivência harmoniosa contagiantes.
Após sua aposentadoria, a literatura e a Academia Literária de Vida passaram a
ser a sua grande motivação e a elas dedicava grande parte do seu tempo. Não
esquecia, também, a sua freqüência e participação na Academia Sergipana de
Letras, onde ocupava o cargo de Vice- Presidente. Como fruto da sua atividade
literária, a Acadêmica Lígia Maria Madureira Pina publicou livros de poesias,
contos e história. Nos últimos dias de vida dedicava-se a concluir um novo
livro de poesias, e o romance “Vida é Amor”, ainda inéditos.Trabalhava, também,
na segunda edição de “A Mulher na História”, complementada e atualizada.
O primeiro livro de poesia, da Acadêmica Lígia
Pina “Flagrando a Vida” não foi uma
obra esculpida na pedra da imaginação. Cada um destes poemas reflete uma cena
vivida, que a autora presenciou, e tocou à sua sensibilidade levando-a a sofrer
e a chorar nos versos dos seus poemas, solidária aos que estão sofrendo e
chorando as dores deste mundo angustiado. O contexto do livro é o social. Em
quase todos os 37 poemas há sede de justiça baseado no amor e na fraternidade. A autora não aderiu aos sentimentos exacerbados
dos poetas românticos que construíram sua arte poética lamentando-se ou
chorando seus íntimos ais. A autora lamenta e chora as dores dos injustiçados e
dos que amargam o abandono, a miséria e a pobreza. Os poemas estampados na obra
poética FLAGRANDO A VIDA são flashes que a autora fixa como se estivesse
fotografando a atormentada humanidade.
Em 1999 publicou
o seu segundo livro de poesias: “Satélite
Espião - observa a vida no planeta azul” mais que um livro de poesias é um
registro de fatos ocorridos em nosso planeta. Pode-se dizer que ele é uma seqüência
de Flagrando a Vida. Em Satélite Espião a autora coloca-se como um satélite
artificial, munido de lentes poderosas observando e registrando as dores da
humanidade, a exploração indevida da natureza, os desacertos político-sociais
dos governantes, a exuberância da flora, os fenômenos celestes, etc.
Há uma coisa em
comum nessas duas obras poéticas: tudo é verdadeiro. Os fatos que se
transformaram em poesias foram cavados com as mãos feridas da poetisa, nas
minas sombrias da realidade: desde as angustias do Nordestino flagelado pela
seca, à opressão contra a mulher e a criança. É bem verdade que o Satélite
Espião registra também as belezas naturais da Mãe Terra: desde as rosas, as
açucenas, a laranjeira, aos resquícios do Morro de Bebé, onde amendoeiras e
bananeiras dançam ao sabor da brisa.
Acolhe também
nesta obra, suas lembranças de braços alongados alcançando os registros de suas
andanças por outras plagas: Jerusalém, milênios de história. As Pirâmides e a
Esfinge no Egito, Lourdes, Fátima, Lisboa.... Tudo observado e registrado pela
sensibilidade do Satélite Espião funcionando no cérebro e no coração da poetisa
que sabe transformá-las na mais pura poesia.
Lígia Pina
também se destacou na área de pesquisa. É autora do livro “A Mulher na História”, publicado em 1994
– quando registra as mulheres pioneiras, que lutaram para ocupar um lugar de
destaque na sociedade, dando luz principalmente, às grandes mulheres
sergipanas. A partir daí, esses vultos femininos passaram a servir de tema em
teses de mestrado e doutorado nas universidades sergipanas. Esse trabalho foi
bem recebido e comentado no Circuito Literário Nacional e nas Universidades da
Califórnia e Utah, nos Estados Unidos. Em 2008 lançou o livro “A Relíquia -
Contos e Crônicas”.
As suas atividades no magistério, as
realizações no mundo cultural, sua participação no MAC e a sua produção
literária a credenciaram a pleitear uma cadeira na Academia Sergipana de Letras
onde desejava ver coroada de êxito a sua carreira literária, recebendo o titulo
de Imortal. Seu desejo se realizou, pois foi eleita para a cadeira n° 27, cujo
patrono é o educador Manuel Luis Azevedo de Araujo e o último ocupante Benedito
da Silva Cardoso.
Não foi por
acaso que tomou posse na Academia no dia 13 de maio de 1998. Escolheu esta data
por ser o Mês de Maria, mãe de Jesus, dia de Nossa Senhora de Fátima e dia da
Abolição da Escravatura. Aliou seu espírito religioso, homenageando a Maria mãe
de Jesus, à sua formação humanitária sempre defensora da liberdade,
homenageando a Princesa Isabel que lavou, com a Lei Áurea, esta mácula que por
muito tempo permaneceu atormentando a consciência de muitos brasileiros: A mancha terrível da escravidão. Foi saudada pelo Acadêmico José Anderson
Nascimento, hoje presidente do sodalício, que após falar sobre as qualidades da
novel acadêmica, concentrou a sua oração na análise e comentários sobre o livro
“A Mulher na História” os quais
transcrevemos alguns trechos mais significativos:
“A Mulher na
História é um repositório de preciosas e importantes informações, pois narra
toda a trajetória da mulher, desde a mais longínqua antiguidade até aos dias atuais.
Nesse livro, começa por analisar as origens da discriminação da mulher a partir
da função biológica, própria do sexo feminino. Os tabus que passaram de geração
a geração e a sua segregação bíblica... ”. “O destaque final foi dedicado à vida e à obra
das acadêmicas Ofenísia Freire, Maria Thetis Nunes, Núbia Marques, Carmelita
Pinto Fontes e Gizelda Morais, escritoras, cientistas sociais, poetisas e
romancistas, todas elas dedicadas, também, ao magistério e responsáveis pelo
desenvolvimento moral e cultural do homem sergipano.”
No seu elogiado
discurso de posse a novel acadêmica Lígia Pina evocou as 4 das 9 musas, filhas de Mnmósine – a memória - e o fez com a
intimidade que tinha com: Polínia - musa da oratória - que lhe inspirou na sala
de aula dando-lhe boas palavras para ministrar seus ensinamentos; Érato - musa
da poesia - lírica a que lhe deu sensibilidade e talento no feitio das suas
obras poéticas, Euterpe - musa da música
- que harmonizou e deu paz ao seu
espírito embalando-a em canções celestiais e com Clio - musa da história - que
manteve a sua memória aberta para guardar os fatos e os feitos passados.
Na sua oração acadêmica, de braços dados a
Clio percorreu os caminhos que a levaram a encontrar a origem das academias e
sua evolução histórica, desde o Jardim de Acádemus, no Bosque das Oliveiras,
até a fundação da academia Sergipana de Letras.
Devido ao nome do proprietário Acádemus, o local ficou sendo chamado de
Academia. Viajando pelo tempo, passou pela Academia Francesa de Letras fundada
em 1631pelo rei Luiz XIII que se tornou modelo para muitas academias inclusive
a Academia Brasileira de Letras idealizada por Medeiros de Albuquerque e
fundada por Machado de Assis em 1896 e finalmente chega a Academia Sergipana de
Letras fundada em 1929, nos mesmos moldes da Academia Brasileira de
Letras. Discorre, ainda, como é de praxe
no discurso acadêmico, sobre a vida e obra do patrono da cadeira e dos seus
ocupantes.
A vida da
Acadêmica Ligia Pina foi uma vida farta de realizações e entrega a sua carreira
literária e ao exercício das suas funções no magistério. A sociedade Sergipana
não deixou de reconhecer o seu brilho e por diversas vezes demonstrou a sua
gratidão homenageando-a com títulos e medalhas:
Foi homenageada
pelo Sindicato dos Professores da Rede Particular de Ensino com o título de
Educador do Ano -1989; pelo Rotary Club recebeu a Medalha do Mérito Cultural à
Mulher Sergipana. Recebeu Medalha do Mérito Cultural Silvio Romero da Academia
Sergipana de Letras; Homenageada pela Prefeitura Municipal com a Medalha do
Mérito Cultural Inácio Joaquim Barbosa e a Universidade Federal de Sergipe -
UFS com o título de Professor Emérito. Recebeu o Troféu Mulher-Participação da
Assembleia Legislativa do Estado. Em 2005 foi eleita através pesquisa de
opinião, na sexta edição do Projeto/SESC “Mulheres do Século XX”, cujo objetivo
é homenagear mulheres que tiveram um papel relevante no desenvolvimento da
história da sociedade sergipana. Em 2011 recebeu a Medalha do Mérito
Jornalístico “Monsenhor Fernandes da Silveira” da Associação Sergipana de
Imprensa; Da Secretaria de Estado da Educação a “Medalha de Honra ao Mérito Ruy
Barbosa” em 2012, por ocasião do aniversário dos 142 anos da Escola Normal.
A grande Mestra Maria
Lígia Pina foi, até o ultimo suspiro, um esteio para as obras que construiu ou
ajudou a construir. Sempre foi uma fonte farta não permitindo que o sol do
tempo secasse a água do seu poço, que deu de beber a milhares de jovens
sedentos de conhecimento; foi arvore frutífera frutificando todos os anos da
sua vida o fruto da experiência amadurecido sob os efeitos de muitos outonos e jamais
deixou de ser uma peça útil na engrenagem da vida. Ela se fez uma peça mais do
que útil se fez uma peça necessária na Academia Literária de Vida, na Academia
Sergipana de Letras, no magistério e na sociedade sergipana.
A Acadêmica
Maria Lígia Madureira Pina partiu para outra dimensão de vida em 14 de agosto
de 2014, deixando um rastro luminoso na sua passagem terrena. Não precisou prestar
contas ao criador, pois eram muitos os créditos acumulados na corte divina, que
os portões do paraíso já estavam abertos. Nenhum porteiro a lhe cobrar
credenciais... Ela sorridente entrava ouvindo a música celestial e o coro dos
anjos louvando a sua chegada.
Muito
obrigado.
Estácio Bahia Guimarães - membro da Academia Sergipana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Associação Sergipana de Imprensa - no Salão Nobre da
Academia Sergipana de Letras - 10/11/2014.