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7-Júlia Telles da Costa

  (1907-abril/2000)  
Nasceu em Riachuelo, Sergipe, embora no seu registro conste nascida em Aracaju, porque o registro foi feito na capital, quando ela já contava dez anos de idade. Fez o curso primário em Riachuelo, com a professora Helena Vasconcelos. Em 1917 mudou-se com a sua mãe para Aracaju, completando o curso primário na Escola Modelo, anexa à Escola Normal. Depois fez o exame de admissão ao Curso Normal. Três anos depois terminava o curso, agraciada com a Medalha do Conselho Superior de Instrução por haver conseguido o primeiro lugar em todo o curso. Sendo muito jovem, sua mãe não consentiu que fosse ensinar no interior. Foi, então convidada a trabalhar no Banco Federal, onde permaneceu durante dois anos. O Banco fechou. Começa então a sua carreira no Magistério Público, sendo nomeada para a Escola Pública de Socorro. Em 1937 faleceu a sua mãe. Mesmo desesperada pela dor, prestou exame de admissão ao Curso de Aperfeiçoamento, sendo aprovada em 1º lugar e no primeiro lugar permanece durante o curso, sendo contemplada com uma bolsa de estudos para fazer o curso superior, no Rio de Janeiro. Ela e mais duas, as que conquistaram o segundo e o terceiro lugares: Cecília Costa e Elody F. Carvalho. No Rio, completou o curso em dois anos, adiantando as matérias nos períodos de férias. Terminado o curso foi convidada a trabalhar no Rio de Janeiro, mas aconselhada por um parente e pela professora Mariana Braga voltou para Sergipe, assumindo a cadeira da Classe Intermediária entre o primário e o normal, na Escola Modelo. Foi também supervisora das escolas primárias da capital. Finalmente, ocupou o cargo para o qual se preparara, no Rio de Janeiro. Foi nomeada professora de Português da Escola Normal, onde lecionou durante trinta e quatro anos, dois e até três expedientes, após a fundação do curso noturno pela então diretora, D. Maria das Graças Azevedo Mello.
Além das aulas na Escola Normal, em épocas de exames de admissão acompanhava o Inspetor Escolar (na época o professor José de Alencar Cardoso) às escolas do interior do Estado (Estância, Propriá, Lagarto etc.), sem nenhuma remuneração. Quando o governo começou a pagar como trabalho extra, outra pessoa foi convidada a realizar os exames. Coisas de Sergipe!...
Segundo seu próprio depoimento, D. Júlia nunca encontrou aluna rebelde, malcriada. “Havia alunas que não queriam estudar, não iam para frente, nem mesmo empurradas. Desinteressadas sim, rebeldes nunca”. (Depoimento da própria entrevistada).
E, no entanto, ela nunca teve um gesto rude, nunca levantou a voz para uma aluna. A sua personalidade impunha respeito natural às jovens estudantes. Todas as suas ex-alunas a estimam e admiram, procuram sempre notícias e as que podem a visitam, na sua residência, na cidade balneária de Salgado.
D. Júlia foi a fundadora da Caixa Escolar da Escola Normal, a qual tinha por objetivo ajudar às alunas pobres na aquisição da farda e na merenda. Recordo-me que, ao inaugurar a merenda escolar, D. Júlia, para não humilhar as meninas pobres, sugeriu que as alunas que morassem mais próximo da escola abrissem mão da merenda, em favor das que residiam distante. O resultado foi que a grande maioria cedeu o direito. Apenas algumas que residiam no Siqueira Campos, na Palestina, no Dezoito do Forte receberiam a merenda. Diante do impasse, D. Júlia resolveu tornar a merenda extensiva a todas as alunas. A merenda era servida somente nos dias de aulas de Educação Física, quando às seis horas da manhã já estávamos na escola. E que merendas deliciosas! Era o arroz doce, o mungunzá e outras gostosuras que, além de alimentar, eram agradáveis ao paladar. A Caixa Escolar era mantida pelos sócios: professores e amigos da Escola. Para inaugurá-la, o então secretário da Educação, Dr. José Rollemberg Leite, fez um donativo no valor de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros).
D. Júlia aproveitava todos os ensejos para desenvolver a inteligência e o caráter das suas alunas. Quando o Secretário fez a doação do dinheiro, ela mandou que todas as alunas escrevessem um cartão de agradecimento. O melhor seria enviado ao benfeitor. Quando terminou a Segunda Grande Guerra, a tocha Olímpica percorreu todos os Estados brasileiros, conduzida por atletas. E veio também a Sergipe, sendo recebida em cerimônia na Praça Fausto Cardoso. D. Júlia mandou que as alunas fizessem uma redação sabre o assunto, inclusive pesquisando as origens do fogo simbólico. (Do cofre de lembranças da redatora)
Era assim, a professora Júlio Telles da Costa: humanista, preocupada não apenas com a instrução e educação das alunas, mas também com o bem-estar físico, com a alimentação.
D. Júlia era a grande mestra da Língua Portuguesa como D. Cecinha Mello o foi de Literatura e Educação Moral e Cívica, Quintina Diniz de Pedagogia e Psicologia, Clotilde Machado de Matemática, Penélope Magalhães de Inglês e tantas outras que contribuíram para a educação feminina em Sergipe.
Professora tão emérita, vive hoje as dificuldades de todos os aposentados. Salário pequeno, menor ainda do que deveria ser, uma vez que tem curso superior. Seu diploma e outros documentos foram extraviados do próprio arquivo da Escola Normal e o Cartório onde o diploma foi registrado também não conservou a documentação antiga.
D. Júlia recebeu a Medalha do Mérito Cultural “Inácio Barbosa” e a da Associação Profissional do Magistério do Estado de Sergipe.
A Medalha da Associação Profissional dos Professores de Sergipe lhe foi conferida em solenidade realizada no auditório da Faculdade Pio Décimo, sendo homenageadas ela e a professora Dalva Prado Fontes pela redatora deste trabalho, do qual cita-se o seguinte texto:

“D. Júlia Teles Costa... D. Dalva Fontes... dois nomes ligados à História da Educação em Sergipe... Duas velhas mestras... velhas na profissão a que devotaram suas vidas, mas jovens sempre, porque o mestre não envelhece; como a Fênix, renova-se através da cultura e se perpetua nas gerações jovens que ele, como o bom oleiro molda, imprime força, caráter, expressão. Esta é a missão do verdadeiro Mestre e Vós soubestes cumpri-la com amor, justiça e compreensão. Eu posso fazer, de cátedra, esta afirmativa porque eu fui aluna vossas. De Vós recebi os dons espirituais e intelectuais que hoje procuro distribuir com o mesmo entusiasmo, com o mesmo amor, senão com a mesma competência e saber. Porque cada um somos uma individualidade; não existem, não pode existir mais de uma Júlia Teles ou de uma Dalva Fontes.
D. Dalva, vós sois responsável pelo despertar do meu interesse para o magistério. Vossas aulas de Metodologia do Ensino Primário, desvendando para mim os métodos, as técnicas de abordagem das diversas disciplinas que compõem o Ensino Primário. A aprimorada confecção do material didático, tudo isto despertou em mim a professora que viria ser.
D. Dalva... Eu me lembro como se fosse hoje... eu me lembro das vossas aulas de Português: o emprego da crase, as funções do que, as figuras de Metaplasmo que nos pareciam tão difíceis e, no entanto, me causavam tanto interesse. Hoje, quando uma dúvida surge, eu me reporto às vossas aulas e, através do “processo memória”, retrocedo no tempo e me vejo nas classes da antiga Escola Normal “Rui Barbosa” e quase milagrosamente descubro, no mais recôndito do meu cérebro, a resposta, na vossa palavra. Fecho os olhos e a vejo, transmitindo as lições que nos preparava para enfrentar a vida. É só dar cordas ao sonho e recordar...
D. Júlia Teles Costa... D. Dalva Fontes... duas mestras inolvidáveis, duas grandes amigas, duas grandes personalidades do Magistério sergipano, a quem a Associação Profissional do Magistério do Estado de Sergipe hoje tributa uma justa homenagem, conferindo-lhes a medalha de Honra ao Mérito.
D. Júlia Teles Costa... D. Dalva Fontes... eu vos agradeço em nome da novel Associação Profissional do Magistério do Estado de Sergipe, em nome de todas as vossas ex-alunas e no meu próprio por tudo quanto destes de vós para criar nas jovens uma personalidade sadia. Eu vos agradeço pelo que hoje sou e por tudo que me propusestes ser e, fechada nas minhas limitações, não consegui. (Maria Lígia Madureira Pina)

Do livro: "A Mulher na História", de Maria Lígia Madureira Pina.