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quarta-feira, 8 de março de 2023

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

 

NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER A

ACADEMIA LITERÁRIA DE VIDA

PARABENIZA AS MULHERES PIONEIRAS QUE TROUXERAM NOVOS CAMINHOS EM NOSSAS VIDAS AO LONGO DOS SÉCULOS

 


 Os anos da virada

Martha Hora*

 

Os anos 60 foram anos de mudanças, principalmente, para a “libertação” feminina. Uma virada lenta - a conta gotas - das gerações anteriores. O grande acontecimento desta década foi as mulheres começarem a romper os obsoletos conceitos e mudarem as direções das suas vidas.

Antigamente, o papel da moça era ser esposa, mãe ou “rainha do lar”. Havia uma incrível e humilhante escravidão. A mulher era educada para obedecer ao seu marido, ou melhor, “dono”.

Ainda hoje, vejo mulheres submissas, vivendo separadas sob o mesmo teto, relativamente novas, sem coragem de tomar qualquer decisão em suas vidas, por várias questões: divisão de patrimônio, status social, medo de enfrentarem o mundo sozinhas.

No século passado, os pais tinham uma extrema preocupação com a reputação de suas filhas, e o tabu da virgindade dividia as moças entre as “de família” e as “de fora”.


Claudia-ano XI n.121- outubro/71
-Acervo Shirley Rocha -

 “A ARTE DE SER MULHER”, um artigo da revista Claudia abriu um espaço revolucionário, para a jornalista e psicóloga Carmem Silva ser porta-voz dessa necessidade de mudanças. Ela ajudou a classe feminina a escancarar as portas de sua existência, a conhecer a liberdade, para que um dia pudessem entrar neste vasto mundo tão desconhecido. Para ela, a mulher era um ser total.

Outra feminista foi Leira Diniz. Ela foi o maior ícone da liberdade - sempre lembrada como símbolo da “revolução feminina” - que rompeu com os antigos padrões. De uma época na qual a repressão dominava o país, a artista deveria ser leitura obrigatória para as mulheres que, até hoje, no século XXI, vivem aceitando certos “padrões e acomodações econômicas”. Ao exibir sua gravidez de biquíni, ela chocou o país inteiro. Também quando pronunciou a seguinte frase: “Transo pela manhã, à tarde e à noite”. Considerada  a “Mulher de Ipanema” Leira era defensora do amor livre e do prazer sexual.

O mundo vivia agitado após a Segunda Guerra Mundial, em 1945. A ameaça da bomba atômica e de uma possível guerra nuclear foi o primeiro choque dessas novas gerações.

E por que não deixar um pouco os afazeres domésticos, seu marido, sua casa, seus filhos?... Por que não podia pensar em si mesma?...

Com a revolução da pílula anticoncepcional, que foi a melhor vacina para “amar sem engravidar”, a possibilidade de uma separação, (divórcio), a inclusão no mercado de trabalho, as mulheres foram se tornando mais seguras e aptas a enfrentar o mundo, sem certos tabus e sem medo. Começaram a dar continuidade aos seus estudos, entrar numa universidade, passando a enxergar e pensar diferentemente das décadas passadas.

Ressalto, ainda, a contracultura do movimento hippie e seus ideais: “Faça amor, não faça guerra”, divulgando amor livre, a paz do mundo e o movimento feminista, que brigava pela total liberdade e sexualidade (marcas registradas desta década). Nesse período, mesmo uma mulher tendo um pensamento mais evoluído, continuava “careta”. Fazia tudo que sentia desejo, mas era fiel aos severos padrões: casar virgem, não beber em público, não fumar, namorar na “vista dos pais”.

Vivi isso. Lembro-me bem que, já noiva, meu pai, passando de carro uma tarde, flagrou-me andando pela calçada de mãos dada com o meu futuro marido (e único namorado). Mandou um recado por um empregado e uma severa “bronca” para o meu pretendente: “Diga a este rapaz que não ouse namorar segurando a mão da minha filha”.

Hoje, ao lembrar esse episódio, acho graça. Conheci o pai dos meus filhos quando era Diretor do Departamento de Educação. Desejando ver-me (ficou sabendo que eu era interna do Colégio de N. S. de Lourdes, mesmo morando aqui), fez uma “visita de inspeção”. Foi amor a primeira vista. Eu tinha 15 anos. Ele, 27.

Nunca frequentei um baile; nunca passeei aos domingos na Praça Fausto Cardoso (“coqueluche” dos jovens, para as ingênuas paqueras da época). Saí de uma clausura para entrar em outra. Por ter casado muito cedo, não dei continuidade aos meus estudos. Resultado: eu era uma “boneca dentro de uma redoma”.

Criação muito austera. Praticamente, nem ao Centro Comercial eu ia. Aliás, o comércio era quem vinha a mim. Passei a metade da vida criando meus seis filhos.

Incrível que, até o século XX, as mulheres passavam grande parte do tempo grávidas. Existíamos para “parir”, criar, educar os filhos. E obedecer ao marido.

Certa feita, li um artigo no qual um filósofo grego considerava a natureza da mulher inferior a dos homens. Para ele, éramos “seres sem raciocínio”. E fazia comparações com os escravos.

Que barbaridade!...

Precisávamos então quebrar as amarras sociais... Precisávamos... Ter escolhas diferentes.

Comecei a sentir vários conflitos internos, calada, por não ter tido a coragem de “ser”. Um verdadeiro pavor se apoderava de mim dia a dia. Quando eu era obrigada a assinar um documento identificando a profissão “Dona de Casa” ou “Prendas do Lar”, eu me sentia humilhada, envergonhada. Resolvi fazer um curso na Aliança Francesa. Queria ter um diferencial, mesmo não invalidando meus terríveis títulos encravados na mente - continuava sendo a antiga “Cinderela”, “A Gata Borralheira”, “A Bruxa Má”, ou melhor, “Rapunzel”.

Aos 47 anos, separada, desencadeei o maior “reboliço” na família. Uma mulher tão moça, separada! E a sociedade?... Nada disso me fez desistir.

Já com os meus seis filhos criados, segurei, com garra, as rédeas da minha vida. Totalmente independente, destemida e o mais importante, sentindo-me valorizada. Tornei-me comerciante de duas lojas, sem saber, sequer, tirar uma nota fiscal.  Como minhas mãos tremiam... Aluguei apartamento, vendi até meu carro.

Foram oito anos de “terror”: muito trabalho, muito sofrimento, muita renúncia... “Cavalgava” sozinha, sem olhar para trás (para não tombar). Só com a ajuda de Deus. A cabeça erguida, para não cair e atolar-me nos escombros e lamaçais pegajosos das mesmices da vida.

Com a liberdade plena, em 2000, fui agraciada, pela “Faculdade da Vida”, com um dom, lançando meu primeiro livro de poesias.

Foi o mais cobiçado DIPLOMA que uma simples “dona de casa” galgou. Só que, em Versos...

 


Martha Hora – escritora, poeta, membro do Movimento de Apoio Cultural Antonio Garcia Filho, da Academia Sergipana de Letras. Crônica publicada no livro “Desvendando Sombras e Sonhos - Poesias e Crônicas”, 2015.