NO DIA INTERNACIONAL DA MULHER A
ACADEMIA
LITERÁRIA DE VIDA
PARABENIZA AS MULHERES PIONEIRAS
QUE TROUXERAM NOVOS CAMINHOS EM NOSSAS VIDAS AO LONGO DOS SÉCULOS
Martha Hora*
Os anos 60 foram anos de mudanças, principalmente, para a “libertação”
feminina. Uma virada lenta - a conta gotas - das gerações anteriores. O grande
acontecimento desta década foi as mulheres começarem a romper os obsoletos
conceitos e mudarem as direções das suas vidas.
Antigamente, o papel da moça era ser esposa, mãe ou “rainha
do lar”. Havia uma incrível e humilhante escravidão. A mulher era educada para
obedecer ao seu marido, ou melhor, “dono”.
Ainda hoje, vejo mulheres submissas, vivendo separadas sob o
mesmo teto, relativamente novas, sem coragem de tomar qualquer decisão em suas
vidas, por várias questões: divisão de patrimônio, status social, medo de
enfrentarem o mundo sozinhas.
No século passado, os pais tinham uma extrema preocupação com
a reputação de suas filhas, e o tabu da virgindade dividia as moças entre as “de
família” e as “de fora”.
Claudia-ano XI n.121- outubro/71 -Acervo Shirley Rocha - |
“A ARTE DE SER MULHER”,
um artigo da revista Claudia abriu um
espaço revolucionário, para a jornalista e psicóloga Carmem Silva ser porta-voz
dessa necessidade de mudanças. Ela ajudou a classe feminina a escancarar as
portas de sua existência, a conhecer a liberdade, para que um dia pudessem
entrar neste vasto mundo tão desconhecido. Para ela, a mulher era um ser total.
O mundo vivia agitado após a Segunda Guerra Mundial, em 1945.
A ameaça da bomba atômica e de uma possível guerra nuclear foi o primeiro choque dessas novas gerações.
E por que não deixar um pouco os afazeres domésticos, seu
marido, sua casa, seus filhos?... Por que não podia pensar em si mesma?...
Com a revolução da pílula anticoncepcional, que foi a melhor
vacina para “amar sem engravidar”, a possibilidade de uma separação, (divórcio),
a inclusão no mercado de trabalho, as mulheres foram se tornando mais seguras e
aptas a enfrentar o mundo, sem certos tabus e sem medo. Começaram a dar
continuidade aos seus estudos, entrar numa universidade, passando a enxergar e
pensar diferentemente das décadas passadas.
Ressalto, ainda, a contracultura do movimento hippie e seus ideais: “Faça amor, não
faça guerra”, divulgando amor livre, a paz do mundo e o movimento feminista,
que brigava pela total liberdade e sexualidade (marcas registradas desta
década). Nesse período, mesmo uma mulher tendo um pensamento mais evoluído,
continuava “careta”. Fazia tudo que
sentia desejo, mas era fiel aos severos padrões: casar virgem, não beber em
público, não fumar, namorar na “vista dos pais”.
Vivi isso. Lembro-me bem que, já noiva, meu pai, passando de
carro uma tarde, flagrou-me andando pela calçada de mãos dada com o meu futuro
marido (e único namorado). Mandou um recado por um empregado e uma severa
“bronca” para o meu pretendente: “Diga a este rapaz que não ouse namorar
segurando a mão da minha filha”.
Hoje, ao lembrar esse episódio, acho graça. Conheci o pai dos
meus filhos quando era Diretor do Departamento de Educação. Desejando ver-me
(ficou sabendo que eu era interna do Colégio de N. S. de Lourdes, mesmo morando
aqui), fez uma “visita de inspeção”. Foi amor a primeira vista. Eu tinha 15
anos. Ele, 27.
Nunca frequentei um baile; nunca passeei aos domingos na
Praça Fausto Cardoso (“coqueluche” dos jovens, para as ingênuas paqueras da
época). Saí de uma clausura para entrar em outra. Por ter casado muito cedo,
não dei continuidade aos meus estudos. Resultado: eu era uma “boneca dentro de
uma redoma”.
Criação muito austera. Praticamente, nem ao Centro Comercial
eu ia. Aliás, o comércio era quem vinha a mim. Passei a metade da vida criando
meus seis filhos.
Incrível que, até o século XX, as mulheres passavam grande
parte do tempo grávidas. Existíamos para “parir”, criar, educar os filhos. E obedecer
ao marido.
Certa feita, li um artigo no qual um filósofo grego
considerava a natureza da mulher inferior a dos homens. Para ele, éramos “seres
sem raciocínio”. E fazia comparações com os escravos.
Que barbaridade!...
Precisávamos então quebrar as amarras sociais... Precisávamos...
Ter escolhas diferentes.
Comecei a sentir vários conflitos internos, calada, por não
ter tido a coragem de “ser”. Um verdadeiro pavor se apoderava de mim dia a dia.
Quando eu era obrigada a assinar um documento identificando a profissão “Dona
de Casa” ou “Prendas do Lar”, eu me sentia humilhada, envergonhada. Resolvi fazer
um curso na Aliança Francesa. Queria ter um diferencial, mesmo não invalidando
meus terríveis títulos encravados na mente - continuava sendo a antiga “Cinderela”,
“A Gata Borralheira”, “A Bruxa Má”, ou melhor, “Rapunzel”.
Aos 47 anos, separada, desencadeei o maior “reboliço” na
família. Uma mulher tão moça, separada! E a sociedade?... Nada disso me fez
desistir.
Já com os meus seis filhos criados, segurei, com garra, as rédeas
da minha vida. Totalmente independente, destemida e o mais importante,
sentindo-me valorizada. Tornei-me comerciante de duas lojas, sem saber, sequer,
tirar uma nota fiscal. Como minhas mãos
tremiam... Aluguei apartamento, vendi até meu carro.
Foram oito anos de “terror”: muito trabalho, muito
sofrimento, muita renúncia... “Cavalgava” sozinha, sem olhar para trás (para
não tombar). Só com a ajuda de Deus. A cabeça erguida, para não cair e
atolar-me nos escombros e lamaçais pegajosos das mesmices da vida.
Com a liberdade plena, em 2000, fui agraciada, pela “Faculdade
da Vida”, com um dom, lançando meu primeiro livro de poesias.
Foi o mais cobiçado DIPLOMA que uma simples “dona de casa”
galgou. Só que, em Versos...
Martha Hora – escritora, poeta, membro do Movimento de Apoio
Cultural Antonio Garcia Filho, da Academia Sergipana de Letras. Crônica publicada
no livro “Desvendando Sombras e Sonhos - Poesias e Crônicas”, 2015.