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sexta-feira, 18 de março de 2016

Discurso de Josefina C. Braz - Cidadã Aracajuana

 Emmanuel da Silva Nascimento e Josefina Cardoso Braz
Senhores e senhoras,
Distinto público, meus familiares, filhos e respectivos consortes, netos, bisnetos, alguns desafiando distância e aqui estão compartilhando minha alegria.
Não é minha intenção fazer propriamente um discurso, porém não posso silenciar diante de tão honrosa e fidalga homenagem, a de tornar-me Cidadã aracajuana, título que me enobrece e dignifica.
Primeiro devo consignar meus sinceros agradecimentos a todos os presentes e de maneira particular ao Cidadão Emmanuel da Silva Nascimento, meu ex-aluno, autor da proposta, que levada à votação aos seus pares foi aceita por unanimidade, devendo eu, a todos eles que aplaudiram meu nome, justo reconhecimento.
Sinto-me feliz, porém ciente agora mais do que nunca, que no gozo dos direitos civis e políticos dos quais esse título me outorga, cumpre-me também o desempenho dos deveres a “Ele” inerentes e dos quais sempre fui fiel cumpridora.
Conheci Emmanuel Nascimento como postulante a uma vaga na antiga “Escola Industrial de Aracaju” hoje “Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe”, na qual Escola eu lecionava. Emmanuel, adolescente, compleição franzina, lutador irrequieto, porém responsável levando adiante os seus anseios de jovem idealista. Desde então, tornamo-nos cúmplices e não mais nos perdemos de vista.
Andamos por caminhos semelhantes: Eu no árduo e dignificante ofício legado aos meus dias, o de preparar jovens para a vida. Ele, Emmanuel, aluno aprendiz do saber, adquirindo conhecimentos e revelações que o ajudaram a abrir caminhos para a vida.
Acompanhei sua trajetória, como a de tantos outros, com entusiasmo e toda vitória por eles alcançada, era a realização dos meus objetivos.
Emmanuel aluno, Professor, Técnico em Estradas, graduado em Direito,  ocupou vários cargos antes de se tornar político, Vereador por várias legislaturas, Presidente da Câmara, Cidadão Sergipano. É um breve relato do perfil do ex-aluno, que deixou gravado no subconsciente da velha mestra, lembrança dos tempos idos e vividos.
Pena é que, prezados ouvintes, o prêmio que hoje recebo alcança-me no declinar da vida uma, fatalidade biológica, quando em mim o crepúsculo é mais longo e intenso que a aurora, porém nunca é tarde quando se chega.

E como antes já deixei dito, não fiz discurso, mas peço vênia as excelentíssimas autoridades e ao distinto público para ler o que escrevi, querendo enfocar uma autobiografia partindo da minha chegada nessa terra que torna-me hoje sua cidadã:
Aracaju do meu tempo, eu te vi pela primeira vez da pequena canoa, vela ao vento, tateando sobre o rio Sergipe, procurando aportar no ancoradouro, perto do vetusto prédio da Alfândega, na Rua da Frente, como era denominada.
Na minha ótica de menina interiorana, tudo era deslumbramento!
O bonde que nos levou rangendo preguiçosamente sobre os trilhos até a Estrada Nova, fim de linha, no sopé da Colina do Santo Antônio. O motorneiro batendo com o pé num dispositivo ao seu alcance produzindo um tilintar estridente anunciava a chegada, espantando os animais que, por acaso, atravessavam a sua frente.
Daí, passo a passo, tornei-me partícipe da tua história.
Primeiro, o Grupo Escolar “General Valadão”, arquitetura de estilo neoclássico, adornado com uma águia de asas abertas, marco dos edifícios públicos da “era Graccho Cardoso”, acolheu-me como mais uma aluna a ocupar as vagas na matrícula no início do ano letivo.
Conservo no sacrário das imorredouras lembranças, tipos que se tornaram familiares para mim: a figura austera do Diretor, professor Benedito Oliveira, um dos pilares da Educação em Sergipe, capitaneando o estabelecimento, monitorando professores, alunos e funcionários, com especial zelo. Dedicava integral atenção à Caixa Escolar, órgão mantido pelos próprios alunos que com módica contribuição mensal arrecadada, engordava uma poupança cujo objetivo era ajudar os mais carentes, fornecendo-lhes fardamento e material escolar. Cobrava religiosamente no final de cada mês. Sua voz forte e de sotaque próprio, dicção um tanto entravada ao pronunciar certas palavras, bradava:
-Trouxeram o di-di-nheiro da Cai-cai-caixa? Era dívida sagrada.
Os professores Tito Pádua e professor Brandão vindos do Rio de Janeiro, capital da República; um ministrava aulas de Educação Física e o outro Canto Orfeônico. Nas concentrações das Escolas, no campo de esportes ”Adolfo Rollemberg”, a estudantada como pássaros em revoada, lotava o estádio e encantava com o colorido dos uniformes e a sintonia das suas vozes.  “O Canto do Pagé” ecoava sonoramente.
“-Oh! Manhã de sol
Anhangá fugiu!...”
No “Sete de Setembro”, “Proclamação da República” e outras datas que mereciam comemoração, a mocidade com o entusiasmo peculiar à idade, desfilava pelas avenidas principais ao som dos tambores e das bandas de músicas. Bandeiras desfraldadas tremulavam ao sabor do vento portadas por beldades elegantes, marchando garbosamente. Dada a ordem de debandar partíamos lépidas para “pungar” os bondes atravancados de passageiros, porém o cobrador vigilante fazia-nos “despungar” o que provocava a explosão da nossa alegria pela vitória do desafio.
Depois... a Escola Normal Ruy Barbosa, plasmadora das futuras professoras, primando não só no preparo das alunas nas disciplinas do currículo, mas em essência, na formação de cidadãs aptas a exercerem a nobre tarefa de educar. Seu corpo docente era constituído por professores abnegados: Dona Júlia Teles, Cecinha Mello, Cacilda Fontes, Vetúria Ribeiro, Dalva Fontes e Yayazinha Maia ensinando-nos o bordado de esmirna; professor Dr. Aquino aplicando os ensinamentos da Física de Carneiro Leão, afirmando ser “o átomo” partícula mínima indivisível, elemento imponderável, longe de pensar que mais tarde o físico alemão Einstein, gênio imortal da humanidade revolucionária a ciência com a Teoria da Relatividade. O professor Genaro Plech com o inesquecível Orfeão Artístico ensinava-nos solfejando, hinos cívicos, cantos do nosso folclore e valsas vienenses.
Cinco anos se passaram sem que percebêssemos, embora conturbados pela Segunda Guerra Mundial. Chegou o dia da Colação de Grau, solenidade realizada no galpão da própria Escola, situada aqui no Parque Teófilo Dantas, sendo eu, a oradora da turma. Em seguida, no mesmo dia, 9 de dezembro de 1945, à noite, o baile na Associação Atlética de Sergipe. O professor José de Alencar Cardoso, o célebre professor Zezinho foi meu padrinho de formatura, o que muito me honrou. Ao prenunciarem a valsa da meia-noite, ponto alto do evento, ouvindo os primeiros acordes da Viúva Alegre de Franz Lehár, padrinhos e afilhadas se posicionaram compondo a grande roda para a dança. Meu padrinho ofereceu-me como par, o jovem engenheiro Pedro Alcântara Braz, recém formado pela Escola Politécnica da Bahia. Daí, o romance que culminou com a sincera amizade, unindo-os para sempre, num só corpo e numa só alma.
A vida continuou, querida Aracaju. Trilhei tangentes planas e luminosas a perder de vista, rompi estradas sinuosamente fechadas, colhi rosas e afastei espinhos. Aprendi mais e mais a ti amar. E oportuno se torna reviver o poema de Francisco Otaviano de Almeida Rosa “Ilusão da Vida”:
“Quem passou pela vida em brancas nuvens
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi um espectro de homem não foi homem
Só passou pela vida, não viveu.”
Nunca olvidei minha origem natal, a intrépida Santo Amaro das Brotas, cujos filhos, no afirmar da minha primeira professora Cecília Dias, são combativos e determinados. Guardei como segredo inviolável o que nos dizia a insigne mestra e agora tenho a oportunidade de revelá-la na íntegra:
 “ - Vocês têm a obrigação de ser bravos e inteligentes por haverem nascido numa cidade cujo clima é de montanha, beneficiados com água mineral de primeira categoria, desfrutando o privilégio de terem uma alimentação à base de crustáceos.”
 Suas aulas eram discursos inflamados. A jovem senhora, entusiasticamente, incutia nas nossas cabecinhas o que aceitávamos como verdade. Dona Cecília Dias - porte fidalgo, fala mansa, liderou docemente os da minha geração, marcando época na formação do povo santamarense. Na ousada aventura de viver, e no inacessível mistério de ser, lá nasci e firmei meus passos que me levaram a ti Aracaju.
Agradeço-te a acolhida, minha bela e jovem Aracaju, dizendo-te que também contribui na formação do teu povo por muitas gerações. No magistério, cumpri condignamente minha tarefa de transmitir conhecimentos e preparar para a vida os que me foram confiados. Hoje, trago tranquila a consciência do dever cumprido.
E ainda posso assegurar-te que, como tributo à minha adoção como cidadã aracajuana, da minha união conjugal leguei a ti, Aracaju, a Sergipe, ao Brasil, jóias preciosas de inestimável valor: meus cinco filhos que tenho orgulho de apresentá-los, pois fiz deles fiéis brasileiros e bons cidadãos.
Reverencio todos aqui presentes,
OBRIGADA ARACAJU !

Aracaju, 12 de novembro de 2015 - Câmara dos Vereadores de Aracaju.
Discurso proferido por Josefina Cardoso Braz, membro da Academia Literária de Vida.