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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

LADY GODIVA

Júlio Dantas

Certo Conde normando, assolador, hisurto,
Senhor tradicional de uma cidade inglesa,
querendo um prato de ouro a mais na sua mesa,
lançara sobre o povo, pesado tributo.
Não podia pagá-lo o burgo irresoluto.
Era a ruína, era a fome. E desvairada, acesa,
a multidão rugia, em frente à fortaleza,
com os filhos ao colo, coberta de luto.
Entretanto, imóveis, pesadas as portas de ferro
não se abriam. Lá dentro do castelo,
entre dálmatas de ouro e capelos vermelhos,
o Conde rejurava à fé dos Evangelhos
que o burgo pagaria o tributo lançado.
Todos aplaudiram. Somente alva e loira
aos seus pés, se ergue Lady Godiva.
E, defendendo condoída crianças e velhos
exclamou: Senhor, o povo já é tão desgraçado!...
Por que não o libertais desse tremendo imposto?
O Conde olhou a esposa rosto a rosto...
e vendo-a casta, modesta, exclamou o rei:
-Liberto-o. Se amanhã tu fores rua em rua,
sobre um cavalo branco, inteiramente nua...
Ela baixou o olhar e murmurou – Irei.
Nasce por fim o sol. Que importa a nudez
quando se é casta e bela?
Sobre um cavalo branco, em redoirada cela,
Godiva no clarão divino que a transporta,
os braços sobre o seio, o cabelo a envolve-la,
Percorreu todo o burgo, foi de viela em viela,
sem que a visse ninguém, sem se abrir uma porta!

Revoavam em seu redor, bandos de pombas brancas...
O sol cobrindo de ouro as suas róseas ancas,
a vestir-lhe a nudez de formas virginais.

Quando voltou, enfim, loira, casta, modesta,
o bárbaro Senhor beijou-a sobre a testa,
E os tributos desde então, não se pagaram mais.
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