Sandra Natividade*
Humanista
por tudo o que tem feito ao longo de sua vida seja como amigo, parlamentar, intelectual
ou o médico que todos conhecem. Difícil é vê-lo dissociado da realidade que se
lhe apresenta, valorização do ser humano e sua condição saudável é o que tem
norteado o trajeto desse homem de vida invulgar. Já aposentado, mas não sem
atividade, pois trabalho não lhe falta e, - preste atenção o labor que executa
em benefício do próximo - faz por pura vocação ou compaixão mesmo, é filantropo
desde sempre. O doutor Francisco Rollemberg faz por merecer todos os lauréis
humanamente dispensados, a alguém especial que se destaca por méritos próprios,
graças naturalmente à educação oferecida pelos genitores Antônio Valença
Rollemberg e dona Maria das Dores corroboraram com o caráter marcante desse
filho, um laranjeirense que só deu honra para a família sergipana.
Voltando
no tempo e atualizando leituras, recentemente estava com a obra Fausto Cardoso,
edição de 1987 - Separata de Perfis Parlamentares, publicada pelo Centro de
Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, de autoria de Francisco Guimarães
Rollemberg, médico, advogado, ex-deputado federal e ex-senador da República por
Sergipe de 1987 a 1995, escritor, membro da Academia Sergipana de Letras, conterrâneo de boa cepa que ilustra Sergipe.
Quem
desejar se aprofundar na trajetória marcante do saudoso Fausto Cardoso deverá
ler a obra do estudioso Francisco Rollemberg, esta por sua vez conecta a
atenção do leitor na trajetória histórica do grande Fausto de Aguiar Cardoso,
nascido em 22 de dezembro de 1864, no Engenho São Félix localizado na vila
sergipana de Divina Pastora, filho de Félix Zeferino Cardoso e Maria do
Patrocínio de Aguiar Cardoso. Nasceu o menino Fausto de família abastada,
vivendo na casa grande, mas transitando para ver de perto a vida dos que
estavam na senzala, pasto e no curral; vivenciou a vida rural fazendo,
naturalmente algumas visitas à vila, interiorizando, assim para jamais esquecer
sua infância e adolescência nordestina. O menino Fausto estudou na Escola do
Padre Antônio e seu encantamento pela escrita chamava a atenção de todos. Foi
matriculado no internato do professor Joaquim Paiva, em Maruim, indo após para
o colégio do padre Francisco Viana de Melo, em Capela, ali concluindo o curso
primário. Para o curso de Humanidades foi matriculado no Atheneu Sergipense, em
Aracaju. A base escolar desse notável estudante aconteceu aqui mesmo em Sergipe.
Continuou sua saga nos estudos, dono de inteligência invulgar que o projetava;
concluiu o curso secundário em Salvador/BA no Colégio Sete de Setembro, daí foi
para Recife/PE, onde prestou exame, ingressando na Faculdade de Direito do
Recife.
Determinado, alegre e irrequieto adjetivos que bem se
amoldam ao jovem sergipano, da então, pode-se dizer Academia Recifense de Direito,
isto permitiu ser alcunhado pelos colegas como “cidadão irrequieto das
repúblicas estudantis”. Nessa fase Fausto já era bem distinguido pelo professor
e mestre Tobias Barreto de Menezes, outro ilustre sergipano que ascendeu
internacionalmente. Fausto se notabilizou como inteligente, culto, talentoso e capaz.
Ainda estudante de Direito necessitou ir à Bahia para cuidar da própria saúde,
no rápido espaço de tempo que por lá permaneceu distinguiu-se como eloquente
orador e poeta. Com o restabelecimento da saúde, o notável orador retornou para
concluir seu curso no Recife, bacharelando-se em 1884. Um
mês após a conclusão houve sua nomeação como Promotor; estava, portanto,
começando a carreira brilhante no Ministério Público, desenvolvendo atividades
nas comarcas sergipanas de Capela, Gararu e Riachuelo até finalmente chegar a
Atenas sergipana, a cidade de Laranjeiras, cidade progressista e campo
abundante para suas atividades intelectuais; tornando-se ali participante do
Clube Republicano, contudo suas ideias não foram do agrado de políticos
conservadores e monarquistas, segundo o autor: “Uma mudança política o afasta
da Promotoria, cargo ao qual só é reintegrado em 1889, com a ascensão do gabinete
liberal Ouro Preto. A República o surpreende, assim, no exercício daquelas funções.”
(ROLLEMBERG, Francisco. Fausto Cardoso, 1987, p. 13).
Mas, mesmo com esses incidentes de percurso Fausto
conseguiu contabilizar cinco anos de promotoria, num ambiente provinciano, mas profícuo e bem oportuno, período que lhe serviu para apurados
estudos. Fausto com intelecto privilegiado se fez pensador, poeta, filósofo, jurista,
jornalista, escritor e imbatível orador. Como poeta, segue um de seus belos
sonetos:
O
Sonhador
Tua
esquálida mão, lúgubre companheira,
Mata
nos corações ânimos e entusiasmos;
Gela
o esplêndido mar do sonho... E os gênios, pasmos,
Tiram
sem ilusões a clâmide guerreira!
Mas,
de súbito, a lava irrompe da geladeira;
Convulso,
o peito acorda em fúlgidos espasmos;
Um
fantástico sonho anula os teus sarcasmos
E
do áureo sonho fulge uma epopeia inteira!
Aos
rútilos clarões se fundem as algemas,
E
a alma, célere, voa, enquanto a desanimas,
Aos
pélagos da luz dos imortais problemas!
(...)
Fausto Cardoso de ascensão intensa, bem-sucedido na
cátedra educacional, advocacia e nas letras, começou a escrever em jornais, mas irrequieto dono de pujança
atraente alçaria vôos mais altos, sua meta era ascender ao parlamento, à
tribuna política. Finalmente conseguiu o propósito: Deputado eleito em duas
legislaturas 1900 – 1902, 1906, contudo não completou o segundo mandato fato
que deveria incidir somente em 1908. Uma fatalidade ocorreria ainda em 1906,
início da segunda legislatura, Fausto considerado tribuno invencível, contundente,
de temperamento forte e imprevisível teria sua carreira política interrompida.
Alguns opositores laboravam contra ele, exatamente pelos posicionamentos que incomodavam
e tolhiam interesses. A vida lhe foi curta, coragem aliada a impulsos naturais
e desprendimento interrompeu uma carreira promissora, atingido covardemente por
arma de fogo tombou exangue, entretanto pediu água, antes mesmo de beber
pronunciou a última frase: “Bebo a alma de Sergipe”. Também já li esta frase com
a seguinte estrutura: “Bebo a alma de Sergipe... morro, mas a vitória é nossa
sergipanos.” Em razão da cruel fatalidade o parlamento se mostrou em comoção, os
pares do saudoso Fausto Cardoso se revezaram nas manifestações de pesar, afinal
um parlamentar ativíssimo perdera a vida aos 42 anos de idade no pleno
exercício de pouco mais de três anos de mandato.
A obra do escritor Francisco Rollemberg publica várias
manifestações:
“...
para lamentar com a Câmara a perda irreparável que acaba de sofrer com o
desaparecimento de um dos mais dignos pares, um talento invejável, um espirito
cheio de fulguração e de ímpetos e que, embora nem sempre bem ponderado, agia
segundo seus naturais impulsos.” Deputado Oliveira Valadão.
“...mas quero juntar às homenagens que a Casa
presta ao malogrado companheiro, que tão prematuramente perdemos a expressão de
saudade funda que nos domina neste momento, ainda a lembrança de que o nome,
por mais acendrado que fosse o amor por seu querido Sergipe, por mais que ele
quisesse concentrar só na terra natal todos os afetos de sua alma ardente, apaixonada
e sonhadora, todas suas forças de combatente, todos os melhores pensamentos de
quem por ser um lutador, nunca deixou de ser um espírito de gabinete, de largas
cogitações, um nome nacional.” Deputado James Darcy.
...“Parecia
definitivamente encerrada em nosso Pais aquela triste fase assinalada na curta
história do nosso regime por mazorcas, grosseiros atentados à ordem e à
liberdade, deposições e reposições macabras de governadores que deram a
generalidade dos brasileiros uma impressão de quase completo desalento, no
tocante à plena eficácia das fórmulas em que foi vazado o regime político
instituído entre nós a 15 de novembro.” Deputado Pedro Moacir.
A publicação datada de 1987 com valor histórico
inestimável repercutiu, configurando-se em 2019 creio numa segunda edição com
prefácio do jornalista Cleiber Vieira e apresentação do então, presidente da casa
legislativa o saudoso deputado Ulysses Guimarães, a obra para aquele presidente:
“...
tem profunda significação, porquanto representa um esforço a mais – o frutuoso,
temos certeza – no sentido de pôr em relevo o nome, a obra e a vida daqueles
que, por sua atuação nesta Casa do Congresso Nacional, se tenham distinguido.”
Valeu a espera, mais de três décadas nos separava da
primeira publicação, contudo a sensibilidade do autor não deixou os amantes da
leitura sem a oportunidade de ter seu exemplar nas mãos, assim a reedição
supriu essa lacuna incluindo na recente publicação mudança estrutural no
layout, devo acrescentar que me fez falta a supressão da farta iconografia só
encontrada na primeira publicação.
A primeira edição de Fausto Cardoso ainda ecoa nas
bibliotecas de estudiosos e professores, essa se constituiu em verdadeira fonte
de pesquisa, tendo citações e tornando-se uma das vitrines do livro “Revivendo
a Escola de 1º. Grau Professor Acrísio Cruz 1978-2019, de Maria Inácia dos
Santos Dória, professora, escritora, membro da Academia Literária de Vida –
ALV. A obra da intelectual Inácia Dória, retrata com fidedignidade fatos relevantes
e iconografia do livro Fausto Cardoso do escritor Francisco Rollemberg.

“E
enquanto o médico enfrenta nos ambulatórios e salas de cirurgia os enigmas da
vida e da morte vincados no ser humano, volta-se, como, estudioso para a
análise do corpo social, e ingresso na vida política, que lhe desdobra novos
horizontes... lê o que lhe cai nas mãos para compreender o Brasil e seus
problemas, sociais, econômicos e políticos”...
“Francisco Guimarães Rollemberg, que alterna a atuação parlamentar com a medicina, realizando tantas intervenções cirúrgicas quantas lhe permite o tempo em que permanece em Sergipe, será, doravante, mais que um itinerante bissexto na literatura”.
“Quando à ação do bisturi sucedeu o
assentamento da conotação literária? Numa conversa ao nível de
história-puxa-história, terminei ouvindo a confissão de quem desceu fundo ao
poço do passado: – Desde menino, sempre li muito, sempre andei com um livro nas
mãos”.
E porque sempre andou com um livro nas mãos pode
entender com excelência causas e efeitos na medicina e fora dela, sensível,
aproveita o tempo que dispõe ainda servindo a seu semelhante, o humanista que
atendia do cidadão comum, aos doutos em hospitais sergipanos, continua
humanizando em amizades que são muitas, escrevendo ou coordenando publicações, a exemplo da monografia publicada pela Associação Sergipana de Imprensa (ASI), de sua saudosa esposa Elcy Vianna Rollemberg, também
médica, sob o título "Atualização dos Salmos". Prossegue o bom humanista trilhando uma trajetória palmilhada por inúmeras
e salutares colaborações publicadas em periódicos e na Revista Somese.
Francisco Rollemberg na Coletânea Horas Vagas, por exemplo, mostra o quanto é
voltado para as questões sociais retratando de forma simples, sem quaisquer
artifícios de expressão, episódios do quotidiano em sua cidade natal,
Laranjeiras; um dos contos que me chamou atenção na coletânea foi “Seu Ricardo
de Aurelina” de repente o leitor vive a história e não contém o riso pela
fidelidade do conto.
E, assim, voltado para a resolução dos problemas
regionais e nacionais, o doutor Francisco Rollemberg honrou desta forma os
votos que o levaram por puro merecimento ao parlamento nacional. Ao humanista
Francisco Rollemberg, a gratidão de tantos que receberam alento no seu caminhar
profissional. 29.05.2020.
*Sandra Natividade
Jornalista, Membro da Academia Literária de Vida - ALV - Cadeira nº. 12 e da Academia de Letras de Aracaju- ALA- Cadeira nº. 19._______________________
Revisada edição em 24.06.2020.