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quinta-feira, 18 de junho de 2020

FRANCISCO ROLLEMBERG, O HUMANISTA


Sandra Natividade*

Humanista por tudo o que tem feito ao longo de sua vida seja como amigo, parlamentar, intelectual ou o médico que todos conhecem. Difícil é vê-lo dissociado da realidade que se lhe apresenta, valorização do ser humano e sua condição saudável é o que tem norteado o trajeto desse homem de vida invulgar. Já aposentado, mas não sem atividade, pois trabalho não lhe falta e, - preste atenção o labor que executa em benefício do próximo - faz por pura vocação ou compaixão mesmo, é filantropo desde sempre. O doutor Francisco Rollemberg faz por merecer todos os lauréis humanamente dispensados, a alguém especial que se destaca por méritos próprios, graças naturalmente à educação oferecida pelos genitores Antônio Valença Rollemberg e dona Maria das Dores corroboraram com o caráter marcante desse filho, um laranjeirense que só deu honra para a família sergipana.
       Voltando no tempo e atualizando leituras, recentemente estava com a obra Fausto Cardoso, edição de 1987 - Separata de Perfis Parlamentares, publicada pelo Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, de autoria de Francisco Guimarães Rollemberg, médico, advogado, ex-deputado federal e ex-senador da República por Sergipe de 1987 a 1995, escritor, membro da Academia Sergipana de Letras, conterrâneo de boa cepa que ilustra Sergipe.


            Quem desejar se aprofundar na trajetória marcante do saudoso Fausto Cardoso deverá ler a obra do estudioso Francisco Rollemberg, esta por sua vez conecta a atenção do leitor na trajetória histórica do grande Fausto de Aguiar Cardoso, nascido em 22 de dezembro de 1864, no Engenho São Félix localizado na vila sergipana de Divina Pastora, filho de Félix Zeferino Cardoso e Maria do Patrocínio de Aguiar Cardoso. Nasceu o menino Fausto de família abastada, vivendo na casa grande, mas transitando para ver de perto a vida dos que estavam na senzala, pasto e no curral; vivenciou a vida rural fazendo, naturalmente algumas visitas à vila, interiorizando, assim para jamais esquecer sua infância e adolescência nordestina. O menino Fausto estudou na Escola do Padre Antônio e seu encantamento pela escrita chamava a atenção de todos. Foi matriculado no internato do professor Joaquim Paiva, em Maruim, indo após para o colégio do padre Francisco Viana de Melo, em Capela, ali concluindo o curso primário. Para o curso de Humanidades foi matriculado no Atheneu Sergipense, em Aracaju. A base escolar desse notável estudante aconteceu aqui mesmo em Sergipe. Continuou sua saga nos estudos, dono de inteligência invulgar que o projetava; concluiu o curso secundário em Salvador/BA no Colégio Sete de Setembro, daí foi para Recife/PE, onde prestou exame, ingressando na Faculdade de Direito do Recife.
Determinado, alegre e irrequieto adjetivos que bem se amoldam ao jovem sergipano, da então, pode-se dizer Academia Recifense de Direito, isto permitiu ser alcunhado pelos colegas como “cidadão irrequieto das repúblicas estudantis”. Nessa fase Fausto já era bem distinguido pelo professor e mestre Tobias Barreto de Menezes, outro ilustre sergipano que ascendeu internacionalmente. Fausto se notabilizou como inteligente, culto, talentoso e capaz. Ainda estudante de Direito necessitou ir à Bahia para cuidar da própria saúde, no rápido espaço de tempo que por lá permaneceu distinguiu-se como eloquente orador e poeta. Com o restabelecimento da saúde, o notável orador retornou para concluir seu curso no Recife, bacharelando-se em 1884. Um mês após a conclusão houve sua nomeação como Promotor; estava, portanto, começando a carreira brilhante no Ministério Público, desenvolvendo atividades nas comarcas sergipanas de Capela, Gararu e Riachuelo até finalmente chegar a Atenas sergipana, a cidade de Laranjeiras, cidade progressista e campo abundante para suas atividades intelectuais; tornando-se ali participante do Clube Republicano, contudo suas ideias não foram do agrado de políticos conservadores e monarquistas, segundo o autor: “Uma mudança política o afasta da Promotoria, cargo ao qual só é reintegrado em 1889, com a ascensão do gabinete liberal Ouro Preto. A República o surpreende, assim, no exercício daquelas funções.” (ROLLEMBERG, Francisco. Fausto Cardoso, 1987, p. 13).


Mas, mesmo com esses incidentes de percurso Fausto conseguiu contabilizar cinco anos de promotoria, num ambiente provinciano, mas profícuo e bem oportuno, período que lhe serviu para apurados estudos. Fausto com intelecto privilegiado se fez pensador, poeta, filósofo, jurista, jornalista, escritor e imbatível orador. Como poeta, segue um de seus belos sonetos:
            
                O Sonhador

Tua esquálida mão, lúgubre companheira,
Mata nos corações ânimos e entusiasmos;
Gela o esplêndido mar do sonho... E os gênios, pasmos,
Tiram sem ilusões a clâmide guerreira!

Mas, de súbito, a lava irrompe da geladeira;
Convulso, o peito acorda em fúlgidos espasmos;
Um fantástico sonho anula os teus sarcasmos
E do áureo sonho fulge uma epopeia inteira!

Aos rútilos clarões se fundem as algemas,
E a alma, célere, voa, enquanto a desanimas,
Aos pélagos da luz dos imortais problemas!
(...)

Fausto Cardoso de ascensão intensa, bem-sucedido na cátedra educacional, advocacia e nas letras, começou a escrever em jornais, mas irrequieto dono de pujança atraente alçaria vôos mais altos, sua meta era ascender ao parlamento, à tribuna política. Finalmente conseguiu o propósito: Deputado eleito em duas legislaturas 1900 – 1902, 1906, contudo não completou o segundo mandato fato que deveria incidir somente em 1908. Uma fatalidade ocorreria ainda em 1906, início da segunda legislatura, Fausto considerado tribuno invencível, contundente, de temperamento forte e imprevisível teria sua carreira política interrompida. Alguns opositores laboravam contra ele, exatamente pelos posicionamentos que incomodavam e tolhiam interesses. A vida lhe foi curta, coragem aliada a impulsos naturais e desprendimento interrompeu uma carreira promissora, atingido covardemente por arma de fogo tombou exangue, entretanto pediu água, antes mesmo de beber pronunciou a última frase: “Bebo a alma de Sergipe”. Também já li esta frase com a seguinte estrutura: “Bebo a alma de Sergipe... morro, mas a vitória é nossa sergipanos.” Em razão da cruel fatalidade o parlamento se mostrou em comoção, os pares do saudoso Fausto Cardoso se revezaram nas manifestações de pesar, afinal um parlamentar ativíssimo perdera a vida aos 42 anos de idade no pleno exercício de pouco mais de três anos de mandato.
A obra do escritor Francisco Rollemberg publica várias manifestações:

“... para lamentar com a Câmara a perda irreparável que acaba de sofrer com o desaparecimento de um dos mais dignos pares, um talento invejável, um espirito cheio de fulguração e de ímpetos e que, embora nem sempre bem ponderado, agia segundo seus naturais impulsos.” Deputado Oliveira Valadão.

  “...mas quero juntar às homenagens que a Casa presta ao malogrado companheiro, que tão prematuramente perdemos a expressão de saudade funda que nos domina neste momento, ainda a lembrança de que o nome, por mais acendrado que fosse o amor por seu querido Sergipe, por mais que ele quisesse concentrar só na terra natal todos os afetos de sua alma ardente, apaixonada e sonhadora, todas suas forças de combatente, todos os melhores pensamentos de quem por ser um lutador, nunca deixou de ser um espírito de gabinete, de largas cogitações, um nome nacional.” Deputado James Darcy.

...“Parecia definitivamente encerrada em nosso Pais aquela triste fase assinalada na curta história do nosso regime por mazorcas, grosseiros atentados à ordem e à liberdade, deposições e reposições macabras de governadores que deram a generalidade dos brasileiros uma impressão de quase completo desalento, no tocante à plena eficácia das fórmulas em que foi vazado o regime político instituído entre nós a 15 de novembro.” Deputado Pedro Moacir.

A publicação datada de 1987 com valor histórico inestimável repercutiu, configurando-se em 2019 creio numa segunda edição com prefácio do jornalista Cleiber Vieira e apresentação do então, presidente da casa legislativa o saudoso deputado Ulysses Guimarães, a obra para aquele presidente:

“... tem profunda significação, porquanto representa um esforço a mais – o frutuoso, temos certeza – no sentido de pôr em relevo o nome, a obra e a vida daqueles que, por sua atuação nesta Casa do Congresso Nacional, se tenham distinguido.”

Valeu a espera, mais de três décadas nos separava da primeira publicação, contudo a sensibilidade do autor não deixou os amantes da leitura sem a oportunidade de ter seu exemplar nas mãos, assim a reedição supriu essa lacuna incluindo na recente publicação mudança estrutural no layout, devo acrescentar que me fez falta a supressão da farta iconografia só encontrada na primeira publicação.

A primeira edição de Fausto Cardoso ainda ecoa nas bibliotecas de estudiosos e professores, essa se constituiu em verdadeira fonte de pesquisa, tendo citações e tornando-se uma das vitrines do livro “Revivendo a Escola de 1º. Grau Professor Acrísio Cruz 1978-2019, de Maria Inácia dos Santos Dória, professora, escritora, membro da Academia Literária de Vida – ALV. A obra da intelectual Inácia Dória, retrata com fidedignidade fatos relevantes e iconografia do livro Fausto Cardoso do escritor Francisco Rollemberg.

Enfoquei a publicação da obra Fausto Cardoso para enaltecer o trabalho literário do intimorato à época parlamentar Francisco Rollemberg a exemplo dos seus significativos contos no livro Horas Vagas Coletânea 1, publicado pelo Comitê de Imprensa do Senado Federal em 1980. A Coletânea prefaciada pelo laureado escritor José Augusto Guerra, autor, notadamente de Caminhos e Descaminhos da Crítica como também de Testemunhos de Crítica. Sobre os contos do escritor Rollemberg, Guerra se expressou:

“E enquanto o médico enfrenta nos ambulatórios e salas de cirurgia os enigmas da vida e da morte vincados no ser humano, volta-se, como, estudioso para a análise do corpo social, e ingresso na vida política, que lhe desdobra novos horizontes... lê o que lhe cai nas mãos para compreender o Brasil e seus problemas, sociais, econômicos e políticos”...

“Francisco Guimarães Rollemberg, que alterna a atuação parlamentar com a medicina, realizando tantas intervenções cirúrgicas quantas lhe permite o tempo em que permanece em Sergipe, será, doravante, mais que um itinerante bissexto na literatura”.
 “Quando à ação do bisturi sucedeu o assentamento da conotação literária? Numa conversa ao nível de história-puxa-história, terminei ouvindo a confissão de quem desceu fundo ao poço do passado: – Desde menino, sempre li muito, sempre andei com um livro nas mãos”.

E porque sempre andou com um livro nas mãos pode entender com excelência causas e efeitos na medicina e fora dela, sensível, aproveita o tempo que dispõe ainda servindo a seu semelhante, o humanista que atendia do cidadão comum, aos doutos em hospitais sergipanos, continua humanizando em amizades que são muitas, escrevendo ou coordenando publicações, a exemplo da monografia publicada pela Associação Sergipana de Imprensa (ASI), de sua saudosa esposa Elcy Vianna Rollemberg, também médica, sob o título "Atualização dos Salmos". Prossegue o bom humanista trilhando uma trajetória palmilhada por inúmeras e salutares colaborações publicadas em periódicos e na Revista Somese. Francisco Rollemberg na Coletânea Horas Vagas, por exemplo, mostra o quanto é voltado para as questões sociais retratando de forma simples, sem quaisquer artifícios de expressão, episódios do quotidiano em sua cidade natal, Laranjeiras; um dos contos que me chamou atenção na coletânea foi “Seu Ricardo de Aurelina” de repente o leitor vive a história e não contém o riso pela fidelidade do conto.
E, assim, voltado para a resolução dos problemas regionais e nacionais, o doutor Francisco Rollemberg honrou desta forma os votos que o levaram por puro merecimento ao parlamento nacional. Ao humanista Francisco Rollemberg, a gratidão de tantos que receberam alento no seu caminhar profissional. 29.05.2020. 

*Sandra Natividade
Jornalista, Membro da Academia Literária de Vida - ALV - Cadeira nº. 12 e da Academia de Letras de Aracaju- ALA- Cadeira nº. 19.
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Revisada edição em 24.06.2020.