Sandra
Natividade*

A
vida como docente lhe sorria, quando lhe aconteceu verdadeira itinerância: o
presidente do Estado a nomeou para ensinar no então povoado de Barra dos
Coqueiros, posteriormente, transferida para o povoado Telha (Anipum), em
Aracaju e depois designada para a Vila de Itaporanga/SE. Com sua experiência e
pretendendo conhecer outras plagas, solicitou ao estado disponibilidade e
viajou com destino a Recife/PE, passando a lecionar no Colégio Americano
Batista e o fez por dois anos até mudar-se para a cidade baiana de Jaguaquara,
onde lecionou no Colégio Batista Taylor-Egídio. Carlota prestou serviço
evangélico, lecionando nas cidades de Barracão, Nazaré, Santo Antônio de Jesus,
Lages, Barra do Rocha, Mutum, Areias, Rio Largo, Jequié, Mundo Novo, Feira de
Santana e, finalmente na capital Salvador, permanecendo até o advento da
Revolução de 1930 lecionando à época nos cursos primário e elementar na Escola
de Comércio Estadual da Bahia.
A
experiente professora retornou a Sergipe, entretanto não chegou à capital,
sobre esse fato seu sobrinho escreveu (CAMPOS, Bemvindo Neto, Centenário de
Nascimento da Professora e Poetisa Carlota Salles de Campos, 1984, Crônica):
“... ficou na cidade de Estância, onde fundou o
Colégio “Frei José de Santa Cecília”, estabelecimento escolar modelo que teve a
honra de ser visitado pelo respeitado mestre, professor José de Alencar Cardoso
- o professor Zezinho - o qual, em
viagem de inspeção escolar, teceu os maiores elogios pelos métodos
pedagógicos modernos adotados pela jovem professora. ”
Bemvindo
Salles de Campos Neto
Jornalista
e escritor
Mas
a irrequieta profissional resolveu dar baixa no colégio de Estância voltando definitivamente
para a capital, Aracaju, aqui chegando solicitou reversão ao magistério público,
ato contínuo designada para ensinar na cidade de Aquidabã/SE, onde passou uma
experiênciasui generis, certa ocasião
foi obrigada por vários dias a “dormir no mato” na companhia de várias famílias
aquidabanenses fugindo do bando de Lampião. Carlota ainda lecionou em Frei
Paulo, Maruim, Santo Amaro das Brotas e Aracaju. Para não se distanciar do amor
pelo fazer educacional idealizou e fundou um colégio na capital. Sobre essa
instituição uma ex-aluna escreveu (PINA, Maria Lígia. A Mulher na História, 1994, p. 225):
“...fundou
o seu próprio colégio, na Avenida João Ribeiro, no Bairro Santo Antônio. Do
Colégio Frei José Santa Cecília, eu mesma posso dar testemunho porque fui sua
aluna. Por d. Carlota fui alfabetizada pelo método de orações, hoje considerado
moderno. D. Carlota não se limitava a ensinar as lições trazidas nos livros.
Além de explorar os textos livrescos ela nos ensinava hinos patrióticos e
levava a público peças dramáticas e comédias com grande sucesso. Participei do drama
A Madrasta, levado à cena no Teatro Rio Branco, que mereceu o elogio da crítica
da época.”
Maria Ligia Pina
Professora,
membro da Academia Sergipana de Letras
e fundadora da Academia Literária de
Vida
Bem assevera a
ex-aluna que Carlota não se limitou ao conteúdo dos livros; inteligente, sua
mente a levava muito além, tinha livre trânsito aonde chegava. Classifico a
profissional como uma docente audaz, ela não se limitava aos programas,
entendia que seus alunos mereciam enxergar globalmente, incentivando-os a
crescer no conhecimento para a vida, e assim preparava peças, jograis etc. Era
d. Carlotinha exímia pianista, aproveitava seu dom ministrando também aulas de
canto aos discentes, tendo esses como figurantes das produções que realizava,
levando-os a mostrar o talento de cada um. Quando estava em Aracaju as
apresentações ocorriam no Cine Teatro Rio Branco, cujo proprietário era Juca
Barreto e, na cidade de Estância as peças ocorriam no Cine São João, na época
do proprietário Diógenes Costa. Antes das apresentações, roteiro minuciosamente
organizado, o figurino dos atores confeccionados de papel crepom, recebiam os
últimos retoques, chegavam os músicos da rebeca, vilão e cavaquinho, todos
amigos das famílias envolvidas, que acompanhavam alegremente o grupo da
professora Carlota, tocando sem cobrar qualquer ônus e a festa acontecia nas
salas de projeções.
Nos municípios mais distantes, apresentações
lúdicas aconteciam nos próprios grupos escolares. Mas o simpático de tudo é que
a hábil professora sozinha na capital ou interior, onde estivesse tinha um
coração que extrapolava os limites da necessidade de cada um dos alunos,
ultrapassando o perfeitamente aceitável, investindo no alunado além de suas
forças. Sua essência holística contemplava as necessidades sociais dos alunos e
a comunidade sem a preocupação de estar naquele lugar por pouco ou muito tempo,
o importante era realizar mais uma vez em prol dos assistidos. Nas
apresentações em casas de espetáculos cobravam-se ingresso, o resultado apurado
sempre, mas sempre, revertido para a caixinha da escola, oferta as igrejas, orfanatos
ou asilos, assim se concretizava o fazer da mulher que instruiu gerações,
incutindo no alunado ações em favor do próximo, visando uma sociedade mais
humana e justa.
Carlota
continuou preparando alunos para os exames de admissão ao ginasial, mantendo
cursos regulares nas Ruas do Carmo, Lagarto e de Laranjeiras. em Aracaju,
envolvendo alunos da rede pública ou particular onde prestou serviços. Também lecionou
como voluntária pela Liga Sergipense Contra o Analfabetismo em várias escolas.
Na época que laborou a Liga estava sob a liderança estadual do Almirante
Amintas José Jorge, chancelada pela Maçonaria; o almirante Amintas Jorge coordenou
a Liga de 1917 a 1939 criando nesse período presumivelmente, 38 escolas de
alfabetização em Sergipe. Mesmo depois de aposentada com mais de quarenta anos
de profícuo labor, a bem prendada professora, ilustre pianista, atendendo
frequentes solicitações, se prontificou ministrando aulas particulares de piano
em sua residência na Rua Laranjeiras.
Considerada pelos concidadãos como mulher
forte e mística a professora Carlota, evangélica, comprometida com a doutrina Batista
participou ativamente da Primeira e Segunda Igreja Batista de Aracaju: na
Primeira Igreja Batista, participou compromissadamente da Sociedade de Senhoras
e Moças daquela instituição e de eventos lítero-musicais, declamando
edificantes poesias ao lado de outros baluartes na evangelização, a exemplo de
Maria do Carmo Almeida Moraes (Carmosita Moraes), Rute Amaral, Lourdes Caridade
e Elza Seehagen Freitas. Obstinada, os anos já percorridos não lhe fizeram
parar, portanto seguia, a bondosa mestra na sua vocação de instruir, edificando
sua admirável história, ofertando ao público leitor maravilhosas poesias e
ricos sonetos.
A produção
literária mostrava que o amor a Cristo estava arraigado em todo o seu fazer. Os
versos que produzia eram publicados em jornais e revistas do seu tempo,
notadamente nos estados onde trabalhou: Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe,
aqui a grande maioria de seus escritos foram publicados no Almanaque de
Sergipe, de Elias Montalvão. Carlota contribuiu com a literatura sergipana através
das suas obras: Torturejos, 1912 (poesia) e Colméia de Rosas, 1924 (poesia e
prosa). Torturejos recebeu prefácio do filólogo e jurista Prado Sampaio, autor
do ensaio “Sergipe Artístico, Literário e Científico”, ele genitor da escritora
Flora do Prado Maia a primeira sergipana a escrever Romance; guardadas as
devidas proporções entende-se haver contemporaneidade entre o fazer e realizar
das intelectuais Flora e Carlota.
As obras
qualificadas da professora Carlotinha, como afavelmente chamavam-na, granjeou
espaço privilegiado na literatura sergipana, esse fato levou Armindo Guaraná a
incluir o nome da literata no seu famoso e importante Dicionário Biobibliográfico
Sergipano. Indiscutivelmente a reconhecida educadora deu parte de sua vida à
educação em Sergipe. A partir de seu Estado natal, incansável projetou-se a outras
plagas: realizando com grandeza a arte de ensinar, preparando os alunos para
enfrentar a vida que ela conhecia muito bem. No ocaso dos seus dias muitas
surpresas a circundaram, passando a extravasar cada vez mais através da escrita,
recriou-se com a alma poética fato que lhe notabilizou refletindo na boa
aceitação de suas obras pela crítica que dedicou merecidos elogios, vejamos:
“Li com
enthusiasmo os seus versos ora delicados como a sensitiva e ora simples como os
flavos e níveos malmequeres que nascem, vicejam e fenecem ao longo das nossas
poéticas campinas.Gostei muito de sua poesia “O Colibry”. Acho, posto que falte
a competência para julgar, impecáveis os seguintes versos que formam a primeira
quadra:
Tarde gentil de
meiga primavera,
Vae o sol em
caminho do ocidente,
Voltam as aves
ao ninho revoando,
As brisas
resfolegam brandamente.
Julgo igualmente
impecável, de uma simplicidade encantadora, a seguinte quadra do soneto –
“AURORA”:
É belo ver
surgir, leda e brilhante
A encantadora e
clara luz do dia;
É belo ver
alegres passarinhos
Trinando doces
notas de harmonia.
Terminando,
peço-lhe que não abandone a rota que já traçou na senda do Parnasso.”
Epiphanio da
Fonseca Dória,
Em sua Coluna
Gabinete de Letras
18 abril 1912
Sobre o livro
Torturejos, conhecido conterrâneo se expressou em (Reprodução em Variações em
Fá Sustenido, Gazeta de Sergipe, publicado em 08/abril/1979):
“... veio como
uma ambrosia divina refrigerar-se a alma embalar-me os seus versos cujos rithmos
têm as vezes a semelhança de uma sonata arrancada da harpa de Paganini”.
Zózimo Lima
Jornalista
e escritor
Santos, São Paulo, 1913
As publicações de
d. Carlotinha receberam da crítica manifestações importantes, como exemplo outro
membro da imprensa, atuante nos anos 1920/1930, fez constar esse material no
Almanaque de Elias Montalvão sobre a beleza do livro de poesias “Colmeia de
Rosas”:
“Carlota Salles
de Campos é uma brilhante inteligência, não sendo mais uma manhã a alvorecer para
a vida das letras, ela já cintila altaneira no céu da poesia do Brasil.
Rendendo-se à jovem e fulgurante arquiteta de Colmeia de Rosas, as nossas mais
vivas homenagens, temos assim cumprido o nosso dever. ”
(...)
“Há expressões
cheias de vida e de sentimento, com uma delicada tepidez de ninho; às vezes
versos arrogntes, com um entusiasmo brilhante, demonstrando assim a intelectual
conterrânea, que o seu espírito de escol não só sabe sentir as impressões que
vêm n’alma cheias de doçura, assim como as vibrações passionais e virulentas.
São versos sãos, perfeitos, moldados na escola clássica da poesia moderna. ”
Arlindo de Moura Pinho
Jornalista
A
professora e escritora Carlota Salles, d. Carlotinha, viveu intensamente transmitindo
com excelência ensino de qualidade, adequado ao alunado como cristã evangélica
dedicou-se ao estudo da palavra de Deus, escrevendo admiráveis poesias em
Sergipe. De sua autoria, O Que Eu Amo.
O QUE EU AMO
Carlota Salles
Eu amo a aurora
mimosa
Quando surge o
Oriente;
A manhã
primorosa
Aos raios de um
sol fulgente.
Amo as virentes
campinas
Do rócio
aljorofadas;
Amo as
silvestres boninas
Que cheiram
pelas estradas.
Eu amo a noite
formosa
Sob um lindo
firmamento,
Quando a lua
majestosa
Faz seu giro
sonolento.
Eu amo a flauta
dolente
Nas noites
enluaradas,
Soltando notas
plangentes,
Tristonhas notas
magoadas.
(...)
Pela
incursão através da pesquisa aqui e alhures percebe-se seu ir e vir com
precisão cirúrgica, a docente tinha objetivos claros, viajou para servir a
muitos, em Sergipe o espaço se afunilou ela precisava ser várias para atender
as múltiplas necessidades da educação pública. Não teve muito tempo para pensar
em si somente, mas pensar no coletivo, em vidas as quais tinha clara
responsabilidade em educar e instruir contribuindo com o futuro de uma geração,
foi o que fez com eficácia.
Pelo
merecido reconhecimento ao trabalho educacional e literário da fiel docente seu
nome tem sido lembrado como alguém que realizou além do estabelecido. Usufruiu
como poucos, plena longevidade; pensou na vida visualizando a brisa no
horizonte que ainda prometia, assim não se acomodou enfrentou as limitações próprias
da idade e enquanto mente e pernas a mantiveram d. Carlotinha andou
disseminando conhecimentos instrutivos no campo da literatura, como também
proclamando seu testemunho ao evangelho de Cristo utilizando como canal suas preciosíssimas
poesias. Solteira, sem filhos, faleceu professora Carlota na cidade de Aracaju,
em 22 de fevereiro de 1971.
Em 1992, com a fundação do segundo Sodalício
das Letras no Estado de Sergipe, a Academia Literária de Vida - ALV, presidida
pela saudosa intelectual sergipana Maria Lígia Madureira Pina; o nome da professora
Carlota Salles de Campos recebeu homenagem, passando a integrar a galeria das
patronas da novel Academia, Cadeira nº 8, providencialmente ocupada por outra docente
da rede pública de ensino, professora Maria Inácia dos Santos Dória. Ao longo
de aproximados 28 anos, a ALV desde 2014 presidida pela jornalista Shirley
Rocha, continua cumprindo o papel para o qual foi criada de contribuir na
qualidade, valorização, defesa e avanço da literatura sergipana, primando o sodalício
por encontros mensais entre as acadêmicas, sinal emblemático que dignifica
cordialidade e interação.
07/maio/2020
Jornalista,
Membro da Academia Literária de Vida- ALV - Cadeira º 12 e
da Academia de Letras de Aracaju- ALA- Cadeira
nº 19.