Maria Inácia dos S. Dória*
“Não há caminho difícil quando Deus é o nosso guia.”
Eu sempre quis escrever sobre a Casa de Farinha, pois a mesma faz parte da minha infância, no Sítio - Fazenda São José, de propriedade da minha família, no povoado Gentil, pertencente ao município de Maruim, a minha terra natal. Lendo o livro da profa. Cléa Brandão, fiquei mais empolgada, sentindo o cheiro da farinha torrando no forno de barro.
A Casa de Farinha é o local onde se transforma a mandioca em farinha grossa, fina e mediana. É um alimento delicioso que mata a fome, dá o sustento, é indispensável na mesa do rico e do pobre. Farinha cheirosa, quentinha, forte e gostosa, pronta para ser ensacada e vendida na feira.
As memórias da Casa de Farinha, são memórias vividas pela escritora Cléa Brandão na sua infância durante as férias escolares, são recordações de familiares, de amigos, no Povoado Pedro Gonçalves, situado entre Rosário do Catete e Marcação (hoje cidade de General Maynard). A presença da Casa de Farinha determinou povoamentos e promoveu mutirões de solidariedade humana.
Para mim, um livro especial e muito gostoso de ler. Li com toda atenção, como as coisas aconteceram na Casa de Farinha é tudo igual, só muda os personagens, os causos, as estórias, as prosas, as cantorias (...) são fatos reminiscências do tempo em que éramos felizes e não sabíamos. Realmente foram momentos bem vividos na infância da profa. Cléa ao lado de sua mãe, suas tias e primas, familiares e amigos.
Sabemos que o cultivo da mandioca é uma cultura muito forte no nordeste, faz parte da agricultura familiar. A mandioca chegava aos montes na Casa de Farinha, era raspada, depois ralada na cevadeira e a massa levada à prensa, apertando-a até sair toda a tapioca branquinha e cheirosa. Essa massa sequinha era peneirada para fazer os beijus maravilhosos, no final da farinhada. Nas palavras da profa. Cléa Brandão, a massa da mandioca se decanta e vira puba que é transformada em mingau, pé de moleque, beijus de massa, de tapioca com bastante coco ralado.
Mexer farinha manualmente usando o rodete, como ainda hoje é em alguns sítios do interior, é serviço que requer técnicas de difícil domínio.
A massa corre no forno
Indo e vindo, lá e cá...
Todo cuidado é pouco,
Pois não pode sapecar.
Tem que ficar torradinha
E branca de encandear.
Relendo o livro Casa de Farinha 2 de Cléa, eu abro um parênteses para dizer que recordei com muita saudade, o imortal da Academia Sergipana de Letras Emanuel Franco, meu professor de Biogeografia na Universidade Federal de Sergipe, na década de 70, com suas aulas alegres e provas dissertativas, prefaciando o seu livro na sua primeira edição. Nunca me esqueci, costumava dizer em suas aulas: “a mosca veio de avião para Sergipe (...)”
E Deus fez as Marias. Eram muitas mulheres fortes e corajosas, que trabalhavam duro no sítio e na casa de farinha. Para a profa. Cléa Brandão, tudo isso são marcas que o tempo nunca apagou da sua lembrança e assim ela escreveu no seu livro o lindo poema “Em parte” de Florbela Espanca
Quanto partir
Partirei em parte
Porque parte de mim
Já partiram partes.
E boa parte da sua vida ficou naquele lugar tão simples e pueril, onde ela conviveu com pessoas humildes, ao lado de sua mãe, dentro de um passado rico em vivência e conhecimento que jamais será esquecido. Cléa Brandão professora e pesquisadora de mão cheia, na sua sagacidade, conservadora de sua própria história, finaliza o seu livro dizendo:
Todos já passaram.
A minha mãe já passou.
E eu quase passarinho, com o diria o poeta Mário Quintana.
Por fim, resta a saudade.
Um grande abraço.