Shirley
Rocha
Li de um lance as cento e vinte e três
páginas do livro de Lena Barreto, HISTÓRIAS DO MEU PAI & ESTÓRIAS POR MEU
PAI, uma coletânea organizada de escritos do seu pai, o senhor Paulo Barreto
Mesquita, irmão e um dos herdeiros do senhor Juca Barreto, o fundador do Cine Teatro
Rio Branco.
O Cine Rio Branco foi uma casa de espetáculos que funcionou desde
a década de 1920, no segundo trecho da Rua João Pessoa 182 (hoje José do Prado
Franco), centro da cidade de Aracaju. Gerações assistiram inúmeros espetáculos
ali. O palco era ornado por uma cortina de veludo vermelho escuro e após outra
de tecido voal sedoso e branco, ao
fundo a tela apropriada para o cinemaScope
(técnica que aumentava consideravelmente a projeção na tela) e com uma
acústica primorosa; serviu para apresentações de grandes estrelas do teatro,
música, nacional e internacional. Findo a era do cinema, o prédio foi se
desfigurando e hoje, no local, funcionam várias lojas de roupa.
Paulo Barreto Mesquita era um senhor admirador das artes e da
literatura. Lena Barreto (Maria Magdalena Barreto) número sete na prole é
conhecida por seu talento ao contar estórias. Com aquela curiosidade de
criança, observando o dia a dia da família, a atitude do pai, foi com uma lupa
escolhendo, buscando na memória, palavras e fatos, desde o
chefe de família ao literato, com dons para escrever peças de teatro, crônicas
e mensagens aos parentes e amigos nas ocasiões festivas.
O estilo de Lena é simples, direto, claro. Captou das gavetas
do seu pai alguns escritos, alinhavou depoimentos dos
outros irmãos e contou uma estória cativante talvez pelo temperamento do senhor
Paulo e a forma como ele encarava a vida. A esposa do senhor Paulo, senhora
Joselita (Josefa Batista Barreto) e as estórias da vida do casal, refletem a
verdadeira riqueza de uma família unida pela educação e amor comprovados pelos
mais de 50 anos de vida conjugal.
Seu Paulo Barreto faleceu aos 79 anos, em 1990. Mas Lena
Barreto após uma força tarefa deixou para o mundo, principalmente aos
sergipanos, um pouco do que foi aquele homem sempre bem arrumado, cabelo
impecavelmente penteado e atencioso com todos que chegassem perto. Não conhecia
sobre o lado intelectual dele, a delicadeza nos versos, o sentimento terno em
suas crônicas, e que escreveu peças de teatro... Não sabia da irreverência
dele! Ele e dona Joselita formavam um par espetacular. Valeu Lena, dei boas risadas!
Os guardados de Lena, Cândida, Cleandro, Cássio, Carlinhos, Cleia,
Ricardo, Roberto e Maria Viana trouxeram à luz um sergipano que promoveu as
artes do teatro, música e do cinema na sua terra. As crônicas e poesias estão
no livro que também registram fotos. Vale à pena ler.
Como é tempo de São João vou transcrever uma poesia, que
entre outras, consta do livro:
TIÃO
Por Paulo Barreto Mesquita
Quando ela disse a Tião
Qui entre os dois nada inxistia
Naquela noite tão fria
Da vespa de São João
Tião ficou diferente,
Num quis mais falá cum a gente
8
Não pulou mais na fugueira,
Pru mode se batisá,
Cumo tinha prometido
À muié de Zé Cumprido
Não insperou pelo mio
Qui já cheirava nas brasa.
Tião só quis ir pra casa.
8
Pra que sambá
Pra que nada
Pra que fazer mais besteira
Se seu coração ferido
Tava pio qui a fugueira
Qui estalava na madeira
Cumo instalo de pipoca
Que se torra in caco novo
Pra mode vendê na fera
8
Mais qui bicho sem vergonha
É o coração de muié
Pega um home de arrespeito
Que veve do seu trabaio
Pra fazer dele o que quer
8
E adispois qui a gente pensa
Qui a peste gosta da gente
Ela na cara desmente.
Home, só mesmo sendo muié
Pruque se ela fosse home
Eu juro pru S. João,
Não cumia mais feijão.
8
Já vinha raiando o dia
Mas ao longe ainda se ouvia
O samba de Zé Cumprido
Onde a mardita sambava
Sem se alembrá que distante
Um coração de caboclo
De sodade se acabava.
Gostaria de concluir com algumas palavras escritas pelo filho
Cleandro Barreto na contra capa do livro, referindo-se ao seu pai:
“Fim do 3º Ato
Fecham-se as cortinas e apagam-se as luzes da ribalta, no
palco da vida, no teatro do tempo, que teve sua última função no principal
papel, um Amigo das Estrelas. Poeta talentoso, escritor, jornalista, membro da
ASI, teatrólogo amante e incentivador da cultura, pai bondoso, extremoso
marido, atuante defensor dos menos favorecidos. Sua passagem pela vida foi de
amor, sonho e bondade...”
Este ano a senhora Joselita completou 102 anos (....). Ganhou
uma festa dos filhos e parentes. Seu Paulo deve estar dizendo aos anjos: Ela me
passou a perna...
Shirley Rocha
Aju/06/22
Jornalista e Presidente da Academia Literária de Vida.
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Dona Joselita Barreto comemorando seus 102 anos |
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Família Barreto - noite de lançamento do livro 88888888888888888 |
Assim presto minha homenagem
neste dia dedicado aos escritores.