A mulher já perdera as contas de quantas vezes tinham se mudado, quinze, vinte, não sabia ao certo. Parecia de propósito, era só começar a tomar gosto pela casa e fazer amizade com a vizinhança, quando menos esperava, o marido vinha com a mesma cantilena -- precisamos mudar de ares. Nem sempre trocavam de cidade, podia ser de bairro ou apenas de rua. E aí começava o transtorno, desmontar móveis, encaixotar louças, roupas, procurar nova escola para os meninos. Os deslocamentos eram tão frequentes que muitas coisas continuavam acondicionadas nas caixas evitando assim perda de tempo quando precisassem sair novamente. Para piorar, a cada mudança sempre deixava algo para trás por estar muito danificado de tanto transportar ou por não caber na nova residência, foi o que aconteceu com o piano, herança de família, precisou se desfazer, vendido por uma pechincha, outros eram doados, e assim as memórias afetivas iam se diluindo ficando esquecidas a cada viagem. Aos poucos a quantidade de coisas para serem transportadas iam minguando à medida que se mudavam, antes precisavam de um caminhão baú, depois tudo já cabia em uma camionete. Nas primeiras vezes ela até era contrária a essas ideias, argumentava, discordava, achava aquilo uma maluquice. Depois, resignada, terminou assumindo carregar tão grande fardo.
Já
fazia um bom tempo que residiam no mesmo lugar e a vida tornara-se mais leve. Os filhos cresceram, casaram-se e saíram de
casa. Despertou nela uma vontade enorme de fincar raiz, começou pelo quintal,
plantou um mamoeiro, pés de acerola e pitanga, o ato de plantar e colher a fez sentir
parte daquele lugar. Mas tudo que é bom dura pouco. O marido tornou a
inquietar-se e num belo dia veio com a mesma história --- precisamos mudar de
ares. Ela não contestou, calmamente entrou no quarto, colocou todos os
pertences dele em uma mala e o despachou, sozinho, até a sua nova morada.
Izabel Melo - membro da Academia Literária de Vida, membro da Academia de Contadores de História e membro da União Brasileira de Escritores.