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quarta-feira, 6 de novembro de 2024

REVIVENDO O COLÉGIO DE APLICAÇÃO


 

 Um dos textos entregue para o CENTRO DE PESQUISA, DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO-UFS(CEMDAP).


Publicado na revista da Academia Literária de Vida/

 comemoração 10 anos de fundação/ dezembro 2002, páginas 18 e 19/SEGRASE.


De: Maria Lígia Madureira Pina

 

Recordar é viver duas vezes, diz o adágio popular. Reminiscência é a lembrança dos velhos dizia-me a querida professora Leyda Regis de saudosíssima memória, citando a sua professora de Psicologia Quintina Diniz. Ao ser convidada pelo professor Arinaldo, atual diretor do CODAP-UFS para escrever sobre as minhas experiências neste Colégio, as lembranças afloraram e fluíram tão vivas e tão rápido que a minha mão não acompanhava o seu fluxo. De imediato, lembrei-me não, revivi tão nítida e espontaneamente como se trinta e sete anos não tivessem passado. Foi na travessa José de Faro ao lado do antigo Cine Palace... Encontrei-me com Frei Edgar e ele foi logo me dizendo: “Dom Luciano quer falar com você, urgentemente”. Mal pronunciara as palavras eis que surge D. Luciano na sua kombi e estaciona a uns poucos metros. Encaminhamos na sua direção e ele me disse: “Procure a professora Lindalva, hoje mesmo”. Lindalva era quase minha vizinha. À noite fui até sua casa e lhe perguntei: que mistério é este? Frei Edgar me disse que Dom Luciano quer falar-me. Este sem adiantar manda-me falar com você... E ela me respondeu sorrindo: “Nós queremos você no Colégio de Aplicação”.

Era o ano de 1967. E no dia 1 de março lá estava eu, no Colégio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia, naquele belo edifício da Rua Campos com seu jardim e bancos de mármore, sob as árvores para deleite da juventude, nos intervalos das aulas. Ao chegar fui recebida pelo Corpo Docente, a maioria ex-alunas minhas, no Colégio Nossa Senhora de Lourdes e no Atheneu: Lourdinha Amaral, Selma Duarte, Hosana, Auxiliadora Rosal, Sônia Ramalho, Therezinha Belém e colegas professores em outros colégios, como Adelci Figueiredo, Carmelita Fontes, Leão Magno Brasil, Tereza Prado (esta companheira da Associação dos Professores), entre outros. E a diretora direta amiga, Lindalva Cardoso Dantas. Estava em casa... Foram vinte e cinco anos de minha vida doados ao Colégio. Havia um grande entrosamento entre os colegas. Todos “vestiam a camisa do Colégio” com o coração. O alunado pertencia a mais alta esfera da sociedade e o Corpo Docente era selecionado “a dedo”, visando não só a capacidade intelectual, como ao caráter. O Colégio era renomado. Seus alunos alcançavam as melhores colocações nos vestibulares, tanto em Sergipe como em outros estados. Eram alunos inteligentes, bem informados e os professores deveriam estar atualizados,

Em 1968 foi criada a Universidade federal de Sergipe e as Faculdades existentes lhe foram incorporadas. E com a Faculdade de Filosofia, o Colégio de Aplicação. Começou então uma luta para definir que lugar ele ocuparia na Universidade. Após muitas e exaustivas reuniões e opiniões, só em 1981 decidiu-se que seria um órgão suplementar, diretamente ligado a Reitoria. Foi uma vitória. Pelo menos tínhamos um lugar na UFS, pois há anos cogitava-se em extinguir o Colégio. Vivíamos com a “espada de Dâmocles” sobre as cabeças. Havia uma certa indisposição contra o CODAP. Quando da gestão do Dr. Luiz Bispo as pressões recrudesceram. Dizia-se que o Colégio era um peso para a UFS e não valia a pena mantê-lo. Os estagiários poderiam ser absorvidos pela rede pública de ensino. Tivemos uma reunião com o Reitor e ele nos disse que não dependíamos da UFS. O CODAP possuía verba própria provinda do Governo Federal. E garantiu a nossa sobrevivência. Sob a gestão, mudanças foram realizadas no sistema seletivo, até aquela época os pretendentes prestavam exame de admissão. Os alunos procedentes da rede particular de ensino eram classificados e os do ensino público dificilmente conseguiam aprovação. A seleção passou a ser por sorteio. Foi a democratização do Colégio, mas passamos a sofrer pressão ainda maiores devido ao baixo rendimento escolar. Lá em cima, ninguém queria saber qual a clientela que possuíamos: alunos semi-analfabetos, incapazes de atingir o nosso nível de ensino. Tínhamos de nos adaptarmos ao novo alunado.

Quando da transferência da UFS para o campus, novas pressões surgiram. Pretendia-se que o CODAP não acompanhasse a UFS, mas ficasse no prédio onde hoje funciona o CULTART. Foi outra luta... Viemos, mas não tínhamos casa própria. Instalaram-nos no prédio da Didática II, no andar superior. Outro problema, porque os professores do 3º ano sentiam-se incomodados com o barulho dos nossos alunos, durante os intervalos das aulas. Finalmente. Com a redemocratização do País e as eleições gerais para Reitor foi eleito o professor Clodoaldo de Alencar Filho que se comprometeu a construir um prédio para o Colégio. Promessa feita, promessa cumprida. Já não alcancei a transferência, aposentei-me em 1991.

Vou falar agora da minha atuação no CODAP. Dizia-me a professora Leyda Regis que, segundo o escritor Gilberto Amado “a modéstia é a hipocrisia da verdade”. Não serei modesta para não ser hipócrita. Sempre procurei dar o melhor de mim aos meus alunos. E não me limitei a aulas discursivas. Procurei sempre inovar, no bom sentido da palavra. Criava textos, palavra cruzadas, charadas, tudo condizente coma disciplina que lecionava. História Geral e do Brasil. Escrevi uma História do Brasil em versos contando a nossa formação étnico-cultural transformada em dramatização e apresentada pelos alunos do curso colegial.

Em 1975, quando eram diretores do Colégio, as professoras Therezinha Belém e Maria da Conceição Ouro Reis escrevi a peça “O Viajante do Tempo” que foi levada ao palco do Teatro Atheneu. Os atores eram alunos da 1ª série do curso colegial que, entusiasmados fizeram tudo: pesquisaram sobre trajes da época, adaptaram fundo musical e foi um sucesso! O Reitor Aloísio Campos subiu ao palco para nos cumprimentar. Neste mesmo ano, como culminância do ano letivo organizei um “Recital de Poesia Sergipana”. Os alunos entrevistaram Núbia Marques, Santo Souza, Conceição Ouro entre outros poetas, fizeram relatórios das entrevistas e em noite festiva declamaram com graça e arte os poemas. Outros textos escrevi e encenei com alunos das diversas turmas: “As Grandes Navegações”, “Patrícios e Plebeus”, “Álbum Medieval”, “Os Caminhos da Filosofia”. “Tiradentes o Mártir da Liberdade”, “Jesus, o Filho do Homem”, baseado na obra de Kalil Gibran, “O Maior Erro da Humanidade”, escrito pela aluna Mônica Ouro Reis. Estudo e dramatização de textos bíblicos, Jornal falado sobre “O Renascimento e A Era Napoleônica”. Vários trabalhos integrados à área de Comunicação e Expressão orientada pela professora Maria da Conceição Ouro Reis e Geografia pelo professor Cláudio Sobral. E vários outros. Aquele pequeno texto sobre a formação ética do povo brasileiro foi ampliado, transformado em livro com o título “Tudo isso é Brasil”, sendo considerado pelo Pró-Reitor de Extensão, o melhor projeto apresentado naquele ano. Mas, como o custo era alto (vinte e dois mil cruzeiros), não foi editado. Entretanto, eu o utilizei numa turma de 2ª série do 2º grau, aplicando o “Método Passos” de Piaget. Guardo com carinho o feed-back.

Para finalizar, em 1989 apresentamos a “Reportagem espacial contando com o apoio da diretora Iara Mendes Freire e do artista Amilton Almeida que realizou a coreografia, os cenários, colocou fundo musical e executou as músicas no piano. Já ia esquecendo do “II Recital da Poesia Sergipana” comemorando os vinte e cinco anos do Colégio, também com apoio de Amilton. De tudo que foi dito e o que deixei de dizer posso comprovar através de documentação e do testemunho de colegas e ex-alunos.

Valeu a pena. Como diz Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

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