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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Desmistificação da Lágrima

Tela de Rolf Knie
           ...E resolvi estudá-la gota a gota.
Eu sempre ocultei o pranto. Fosse ele de dor, tristeza ou alegria.
Era belo chorar e ver as lágrimas que as mães derramam ou que os filhos sufocam, parcialmente. E dediquei a minha vida inteira às lágrimas. Lágrimas de alegria, lágrimas de amor ou lágrimas na morte. Sempre fui apologista do pranto bem vertido. Até hoje, chorei, mas de repente, como um novo sol surgisse no horizonte, vislumbrei de modo diferente as lágrimas derramadas. Convenci-me de que chorar é egoísmo. Chorar não é encanto, beleza ou emoção. Chorar não é doação, é ódio, é dor, é ciúme, é pena de si mesmo e resolvi não mais chorar. Chorar? Jamais.
Se chorei quando a noiva, ao som dos violinos vai chegando ao altar...
Se chorei quando a palidez marmórea do meu pai estava no caixão...
Se choro quando vejo as minhas rugas...
Se choro quando eu amo ou quando odeio...
Em todo pranto há comiseração. Não do outro, mas da imagem que o outro reflete em nós e nos faz temer, tremer, chorar.
Portanto, chorar é covardia. É não saber lutar contra os fantasmas que habitam nas cavernas do inconsciente.
Chorar é vilania. É comprar a piedade alheia, é ser mártir por prazer.
Não quero mais chorar.
Onde a fórmula mágica para transformar a teoria em prática?
Já sei. Os olhos estão ardendo, o coração, batendo; a fronte latejando; mas... eu não devo ter pena de mim mesma. Há tanto o que fazer!
Uma nova legião se descortina. São homens e mulheres que não choram.Eles vivem, eles morrem. Sigo. Corro. Como alcançá-los? É chuva por acaso? Estou suando? Minhas faces molhadas enevoam o olhar. Estão secos os condutos lacrimais. A mão, os cílios. A mão está vermelha.
Começo a gargalhar. É sangue, é sangue, é sangue! Começo a gargalhar.
Consegui, realmente, as lágrimas desmistificar!!!

 Maria da Conceição Ouro Reis - do livro inédito “Os Executores”.