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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

"Mulher forte, quem a encontrará?"

Fotos:Marinho Neto/Macel Nauer

Mulher forte, quem a encontrará? Seu valor excede em tudo o que vem de longe, dos últimos confins da Terra. Prov. 31- IX.
Núbia Marques é uma destas mulheres fortes de quem a Bíblia fala: Débora, que numa sociedade patriarcal, extremamente machista foi juíza, comandante de guerra e poetisa. Judite que arriscando a própria vida salvou o ovo judeu de ser massacrado pelos caldeus, matando o chefe deles, Holofernes. E Ester e Maria e tantas outras...
Muito teria para dizer de Núbia Marques, pois nos conhecíamos desde os idos da nossa infância, passando férias em Santo Amaro das Brotas, onde tínhamos parentes comuns. Nossos pais eram primos em primeiro grau. Lembro-me de Núbia, alegre, comunicativa, destituída de preconceitos desde criança. E admirava o seu temperamento tão diverso do meu. Eu era tímida, acanhada, não possuía o destemor de Núbia. Mas a minha proposta hoje é ressaltar a Núbia acadêmica. Essa mulher valorosa entrou para a Academia Sergipana de Letras, em 1978, um ano após Raquel de Queiroz ingressar na Academia Brasileira e um ano antes de Dinah Silveira de Queiroz.
Costumo comparar Núbia a Raquel pela coragem, pelo denodo na luta contra o preconceito dos homens que faziam da Academia um clube fechado, onde “mulher não entra”. Recordo-me de que a grande poetisa e professora de Dicção, a gaúcha Carmem Vianna, nossa comum amiga, aconselhou-nos a fundar uma Academia Feminina, como no Rio Grande do Sul. Núbia não aceitou a proposta. Entendia que o certo era lutar contra a discriminação. E o fez, com toda a sua garra. Enfrentou desafetos e, finalmente, em 1978 candidatou-se à cadeira n. 34, vaga pelo falecimento do poeta Clodoaldo Alencar. Foi vitória da mulher que não se deixava vencer pelos obstáculos. E foi a vitória das mulheres. Ela abriu passagem para outras: Ofenísia Freire, Maria Thetis Nunes, Carmelita Pinto Fontes, Gizelda Morais e, em 1988, eu  Maria Lígia Madureira Pina. E agora temos mais duas acadêmicas eleitas: Clara Leite Resende, Aglaé Alencar e Marlene Alves Calumbi.Todas nós devemos muito ao destemor, ao espírito guerreiro de Núbia Marques.
Na Academia, Núbia destacou a presença feminina com os seus trabalhos, valorizando o Sodalício com as suas publicações, participando assiduamente das reuniões, lendo suas crônicas, declamando novas poesias, encantando-nos com o seu estro, polemizando, expondo suas opiniões com nitidez, nem sempre agradando a todos porque dizia o que pensava, sem subterfúgios, sem dissimulações. Nos jantares da Academia, Núbia era presente em pessoa e atuação. E nos divertia, cantando, principalmente Marina Morena, com o seu característico “uau, uau...”
Núbia era uma escritora incansável, nos deixou 25 livros publicados e outros inéditos. Às vésperas do lançamento “Do Campo à Metrópole”, em entrevista a um jornalista disse: “... tenho muitos projetos em mente. Estou trabalhando a biografia de J. Inácio. Tenho vários projetos, um dia, um deles ficará indeterminado”. Parecia uma premonição... Corria o mês de agosto de 1999. A Academia realizava um Seminário. Núbia compareceu na 2ª e na 3ª feiras. No final da 3ª feira despediu-se dizendo: “ .... de amanhã em diante, não virei mais porque estarei cuidando dos últimos detalhes para o lançamento do meu livro”. Lembro-me de que a acadêmica Maria Thetis falou da distância do local. E Núbia respondeu prontamente: “Não irá se não quiser. É só tomar um táxi”. Na saída, após a reunião falou-se em homenagem póstuma a alguém. E ela disse: “Quando eu morrer, não quero discursos, homenagens falsas. Quero que me vejam como me vêem agora: irreverente, malcriada”. Tomando a palavra, Cléa Brandão, do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho - MCAGF disse: “Eu não; eu vou me lembrar da senhora como a pessoa mais democrata que conheci”.
Era o fim da tarde de 25 de agosto... Em a noite seguinte o telefone tocou, às 22 horas. Estarrecida, recebi a notícia da morte de Núbia. O choque abalou-me profundamente...
Núbia era querida, amada pelos sergipanos como nem ela o sabia. Provam-no a quantidade de flores que recebeu e a acompanhou à última morada. Por fim quero lembrar Núbia declamando para os colegas acadêmicos uma das suas últimas poesias e da qual ela muito gostava:

CONCLUSÃO

Não seja eu
a que mutila
ou abandona
não seja eu
a que devora
e aniquila
não seja eu
a que transforma a praça
em tocaia e luto
não seja eu
a tornar o momento breve
em grave
não seja eu
a que carrega o vendaval
nos cabelos.
nem a que
dorme todas as noites
no sangue derramado
do povo
não sendo eu
posso morrer na madrugada
tendo nos lábios uma rosa
e nos olhos
a última estrela da noite.

De Maria Lígia Madureira Pina-Necrológio lido na Academia Sergipana de Letras -09/1999.

Para matar a saudade...


Poemas retirados do livro “Poemas Transatlânticos”, escrito de abril a dezembro de 1990, período em que Núbia esteve em Lisboa, como bolsista do Instituto de Língua Portuguesa. Livro de n. 48, para as Edições Átrio de Lisboa/Portugal.

Maturação

Tentei o pão
para traçar o destino
Tentei o beijo
para difundir o afeto
Tentei a espada
para a estratégia da luta:
é muito esforço
para tão pouca vida.

Certeza

Necessária paixão
não para sentir-me louca
nem para sentir-me lúcida
mas para que
o novo passo
seja um mundo novo.

Salmos

1
Piso chão
de desterro
modelo a manhã
esmago a rosa
múltipla dor oculta.
2
Salmodio a canção
do exílio.
distante de palmeiras
e sabiás
meu corpo cospe fel
travado nos dentes.

Fugaz

O que dói
no amor
não é a insensatez
nem o êxtase
mas a justa consciência
do fugaz.

Leia mais sobre Núbia Marques nas páginas Patronas e Opinião neste blog.