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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Eu e as domésticas...

 
Eu e as domésticas...
                       As domésticas e eu...
                                       Eu e as domésticas...

Maria da Conceição Ouro Reis
 
          Há vários anos que nos cruzamos na ladeira. Talvez, porque eu esteja descendo e elas subindo, tenho a impressão de que elas se apresentam mais lentas e sem ânimo. Isso me chama a atenção.
         A ladeira tem uma curva íngreme; mas, não importa o local onde nos encontramos; sempre é a mesma sensação: o sol acabou de despertar, está brilhante, muito claro, as plantas do caminho apresentam-se cobertas de orvalho e há uma verdadeira magia no ar; os carros estacionados, dormem; as casas dormem e somente as domésticas e eu passamos. Não nos cumprimentamos e eu não sei o porquê. Pode haver um acordo tácito de solidão... E a solidão é tão só que chega a ser egoísta.
         Elas carregam uma bolsa pendurada no ombro e eu também; seus passos, cadenciados; os meus, também. Nunca as encontrei em bando e quando me encontro com duas, três, quatro, sempre estão separadas; jamais eu vi, uma esperar pela outra para subirem juntas. É possível que sejam mais sós do que eu.
         Hoje, eu me encontrei com uma que era toda parda: a pele, a roupa, a bolsa, a sandália, até os olhos e ela olhou para mim. Seria um apelo ou desânimo ? Senti depois um pouquinho de remorso; por quê ? Por quê ela me olhou ou me pediu ajuda por aquele olhar ? Mas o que estava impressa em minha mente era a cadência ritmada dos seus passos na subida, exatamente igual a minha, na descida.
        Naquele momento eu vi o sol bem acima de mim e entendi a sua mensagem. Ele era como as domésticas que sempre àquela hora tinha de aparecer e fazer o seu trabalho. Será que elas sabiam sobre os movimentos de rotação e translação ? Bobagem, o que importava era a cadência dos passos tanto na descida como na subida. E se depois dessa descoberta eu me sentisse melhor ?
       Era preciso voltar para dizer a ela que aquela cadência é que as impulsionava e não as deixava cair. Voltei-me e ainda quis chamá-la; porém, as minhas pernas não me obedeceram, minhas forças faltaram e ela havia desaparecido na curva do caminho.
        Leitor, não fique triste com a minha estória. É que no dia seguinte eu me encontrei com três que subiam a ladeira juntas e tagarelando, a ponto de me darem “Bom dia”! Quando respondi, ao levantar a vista, vi um pássaro “sorrindo” e por onde eu passava, deixava um rastro de luz pelo esforço gasto. Era em cima daquela luminosidade que elas subiam ! Aí pensei: pássaro  sorri ? Rastro de luz em ladeira ? NÃO SEI. Segui o meu caminho... Sigo o meu caminho... Até quando, não sei.