Teseu abandona Ariadne na ilha de Nexos Tela de James Herbert Draper |
Cantar de Ariadne é o atual lançamento
poético de Wagner da Silva Ribeiro. Como outros livros da sua autoria é
inspirado na Mitologia Grega. Trata da Lenda do Minotauro de Creta que exigia
da submetida Grécia o imposto anual de 14 jovens (sete moças e sete rapazes)
para serem devorados pelo monstro. Numa dessas levas foi o jovem Teseu, que já
era conhecido e louvado por seus feitos heróicos. Teseu, louro e belo, encantou
a filha de Minos, rei de Creta. Apaixonada, Ariadne ofereceu a Teseu o meio de
penetrar no Labirinto e matar o Minotauro: um novelo de linha para guiá-lo na
ida e na volta e uma lâmpada para clarear o tortuoso caminho. Livre, liberto o
povo ateniense, Teseu abandona Ariadne na ilha de Nexos. O beneficiado repudia
a benemérita e mais, levando consigo Fedra, irmã de Ariadne. Sozinha na ilha, a
jovem princesa cretense entra em desespero, lembrando as falsas juras de amor
do seu amado. Chora, soluça até lágrimas não mais ter. e promete nunca mais
amar. Mas... de repente se espanta ao se ver pensando em encontrar outro amor,
alguém que realmente a ame.
Wagner empresta a sua verve a Ariadne, que
exclama:
Cego amor, que tão cedo me atingiste,
ó foi tão curto o tempo de prazer,
não deixes que se estenda o do tormento.
Reacende a chama dos meus olhos e
faz que, olvidando o que colheu primícias,
possa eu viver um novo e longo enleio.
E recobrando a lucidez, exclama:
Mas que súplica é essa, eu ensandeço?
Inda o peito a sangrar e cortinado
o olhar por este pranto tão profuso
que também me reprova a ingenuidade:
inda quando esta dor não merecida
maldiz Teseu e o ódio que secreta
clama aos céus que o fulmine a qualquer preço,
– se nunca mais puder tê-lo ao meu lado.
De repente, ouve música:
Uma longínqua música me chega
Entrecortada pela voz do vento.
Não me parece um canto dissoluto
que já retorne ao seio do silêncio.
Vem num crescendo; ou a minha alma ferida,
desesperada busca um lenitivo.
– Quem sabe, essa longínqua música, – quem sabe,
um adejo divino sobre as mágoas?
– Ao coração falou-me antes que o ouvido a
percebesse.
E ela compreende: não foi o acaso que a levou
àquela ilha. E ouvia mênades, flauta, tamborim. Diante daquela música, sobe ao
monte e de repente, todo o seu pesar, toda a sua dor desaparece, vendo Dionísio
dançar para ela. Sem que ordem fosse dada e sem concerto
fez-se silêncio, e um círculo formou-se
em torno de mim e ao deus, que, sem palavras
tanto me disse com o belo sorriso
e um olhar todo de ternura feito.
Estava superada a dor de Ariadne. Todo aquele
desfecho havia sido programado no Olimpo... Só um amor cura a dor de outro
amor.
E Teseu? Voltou para Atenas tão feliz que
esqueceu de trocar as velas fúnebres do navio pelas brancas. E Egeu, avistando
as velas negras, supondo que o filho tivesse morrido, atirou-se ao mar que
recebeu o seu nome. Sentiu Teseu na carne o seu momento de dor. Mas Cronos se
encarrega de fazer passar todo o mal e todo o bem. No fim, toda amargura é
saneada. Todo pranto é enxugado.
Encantou-me o Cantar de Ariadne, mais que
Os Cantares do Mar Egeu. Talvez porque a dor da princesa de Creta é mais
próxima de nós. É dor humana. Dor que nos curva sob o peso de uma grande perda
que não necessariamente a do amor entre homem e mulher. Pode ser a perda da
mãe, do pai, do filho ou de um bem qualquer. Dor que para ser superada há de
encontrar um outro objetivo: veja a mãe do cantor Cazuza. Superou o sofrimento
dedicando-se a melhorar a vida de outros portadores do HIV. Luciano Barreto,
realizando o ideal do filho morto. E tantos outros... ou extravasando a dor até
a última gota, lançando-a no papel, em prosa ou em verso. E como Ariadne, de
repente a dor desaparece... some...
Wagner expôs em versos tão belos, translúcidos e
musicais, a dor de Ariadne que eu senti o coração apertado. Parabéns, Wagner,
por mais um precioso livro, trazendo de volta para nós o encanto da Mitologia
Grega, da qual também sou fiel admiradora e cantora
xx