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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

VENTO DE OUTUBRO

  Josefina Cardoso Braz

Quadro - Dali

O vento uiva, assovia insistentemente uma canção triste, entrando sem ser convidado pela fresta da porta do 404. É outubro e estou triste mais do que ontem e consideravelmente mais do que todos os dias. É tempo de despedida. Recomponho o momento que parou no registro da minha memória como foto revelada. No mais alto degrau da porta a figura ereta de azul, listras azuis. Sua mão acena um adeus que seria o último até que desaparece na curva do caminho. Desapareceu também o Dignaland - 84, mas o vulto imponente continuou redivivo com real dignidade, bancando o desafio de viver, sofrer, sofrer, sem por um instante, dobrar-se na sua coragem. Parecia invencível!
Pará, Vento! Não seja importuno! Respeite as minhas abstrações ou explique de uma vez por todas o significado dessa canção que nada me diz do que preciso saber, traduz somente mistério, sempre mistérios e estou farta de enigmas!
Olho o céu perscrutando o inacessível. Consulto as nuvens.  Estão paradas, perdidas, indiferentes. Valho-me da velocidade do pensamento e num voo  supremo ao abismo infinitamente azul chego a Deus que também está mudo.
E o Vento uiva...assovia...alheio às minhas súplicas.
- Não insista, Vento, seja ao menos solidário às minhas limitações e diga, Amigo Vento, onde posso encontrar os desencontros da vida? O tempo nos distancia a cada momento ou vai nos aproximando, nos colocando frente à frente?
E a cantiga prossegue triste, lúgubre:
- Não seja bobo, Vento vadio, não brinque com sentimentos! Se nada pode adiantar, deixe-me pelo menos adormecer, descansar, embalada por meus fantasmas particulares de lembranças e saudades.

xxx