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Capa: Ilustração de Estácio Bahia |
Shirley Rocha
Acabei de ler Pedras e
Avencas, livro de poesias do poeta e cronista, membro da Academia Sergipana
de Letras, Estácio Bahia Guimarães. Lançado dia 30 de maio, no Museu da Gente
Sergipana, com 225 páginas. Tem capa dura, papel de primeira qualidade.
Impresso pela Moura Ramos Gráfica e Editora, da cidade de João Pessoa. As
ilustrações trazem a firma de Estácio, há fotos do acervo de seus quadros, de
sua filha, de amigos e da web. Percebe-se aí, o gosto de Estácio pela cultura
em geral. Ele já ganhou vários prêmios em concursos de artes plásticas, além
dos literários (uns ali publicados). Diante do prefácio elaborado pela
escritora Ana Medina, apresentação do poeta Santo Souza (in-memoriam),
apreciação do poeta Carlos Britto e considerações de Hunaldo Alencar
(in-memoriam) seus colegas acadêmicos, entende-se que o livro há muito
tempo aguardava hora do lançamento.
Ainda bem. Tudo foi feito com muito zelo e realmente trata-se
de uma obra para se ler sem pressa, carinhosamente. A explicação que ele dá
para o título, mais ou menos seria: As pedras são as “durezas” os embates da
vida, as avencas o mimo, a delicadeza, que insistem em nascer entre as pedras. Ele dividiu o livro em capítulos temáticos:
Pedras da cidade; Pedras Noturnas; Pedras das lembranças e saudades; Pedras e
reflexões. Depois: Avencas da Natureza; Avencas da Natureza Romântica; Avencas
Românticas; Avenca Marinha; Avencas e Sonetos. Para concluir tem Avencas
Sevillanas e Madrileñas, onze poesias escritas em espanhol. Identifiquei-me
muito, pois acredito que tenho alguma coisa de cigana na minha personalidade.
Como disse Ana Medina: “É difícil colocar em relevo essa ou aquela
preciosidade...”. Mas me atrevo escolhendo justamente a primeira e que dá nome
ao livro e pode inclusive ser cantada:
PEDRAS E AVENCAS
O passado debruçado
no peitoril das velhas
janelas,
olha com os olhos tristes
as avenidas escuras e
vazias,
onde passeiam sombras e
névoas
e restos de luzes
fugidias;
lembranças que se perderam
erradias pelas encruzilhadas
erradias pelas encruzilhadas
de ruas e becos sem nomes.
Ah! Cidade desconhecida
que conhece as dores
humanas,
guardadas em sua boca de
silêncio
e de segredos, que só as
calçadas
e os muros de pedras e
avencas
testemunharam.
Tantos momentos foram
tantos
de luzes, brilhos e de
vidas,
que viviam sonhos de
eternidade
nas casas, hoje, em
ruínas,
com muros de pedras úmidas
descansando em velhas
calçadas,
guardando muitos segredos
e hospedando avencas
orvalhadas.
Estácio é antes de tudo um poeta lírico, da poesia clara,
límpida, versos compassados, um poeta de vocação saudosista, parecendo sempre
apaixonado, outras vezes crítico, em temas políticos e sociais, demonstrando
que uma coisa não anula outra. Seu olhar vai do desabrochar de uma flor ao
choro de uma criança com fome no colo da mãe, num casebre, sob a força do sol -
(por falta de compaixão e gestão dos executivos políticos - digo eu.) Vejam,
cada verso é um quadro aos nossos olhos:
ABANDONO
Sol...sol..sol.../Calor devorando o verde./ A terra
rachada gemendo/ com o corpo dorido de pó./ Calado o mandacaru definha/ com os
galhos crucificados no ar./Os pássaros guardam seus cantos/nas gargantas ávidos
de orvalhos./Ossadas armam no chão/esculturas de tristes lembranças./ Secam as
flores da madrugada/nos olhos vermelhos de espanto./ As mãos magras
desenham/cruzes de medo no peito./ E as bocas que rezam, e não comem,/
Cantam ladainhas silenciosas./Almas e almas feridas de
abandono./
E para concluir ele
alerta:
Quero estar longe quando/essas bocas que rezam, e não
comem,/se abrirem num grito alongado/quebrando a paz e o silêncio.
E como advogado ele não se
furta da revolta em:
JUSTIÇA
...
Ah! Mulher distante,/despe-se da prata, do bronze/e
aquece a frieza de teu mármore./ Veste um vestido de chita/ e calça uma
sandália./ Desvenda a venda dos teus olhos/ e olha os fracos à tua volta./
Estende tuas mãos/ às mãos dos desesperados,/que estendidas há séculos, esperam
poder ver um dia/ o brilho dos teus olhos desvendados.
É um choro bem atual! A religiosidade é uma constante nos seus
livros: Aqui estão, PROCISSÃO – é quase uma oração; CANTATA PARA O SINO - um lamento falando
sobre a igreja da sua cidade; SINOS,
que lembram com saudade da amada que ficou lá na igreja...
Algumas ele ofereceu aos
amigos. Escolhi a que ele dedicou à poeta Maria Lígia Madureira Pina (in
memoriam):
PRIMAVERA EFÊMERA
Crisântemo, girassóis e rendas/dançam com a toalha no
varal;/jardim bordado no banco linho./ O vento vai balançando as flores/ e o
sol vai secando o pano./ A lavadeira retira a toalha seca/desprendendo as
flores do varal./ Ah! Primavera efêmera,/pendurada nas cordas/lá do quintal.
Verdade, Estácio, a nossa
primavera é efêmera. Apenas o tempo de uma toalha enxugar ao vento.
E tem as românticas...
Qual escolher?
SEGREDO
Vou segredar-lhe/um segredo/de nós dois.
Nossos olhares/já contaram/tudo/para/todo mundo.
RECEIO
Flores... Ah! Flores,
que será de mim,/flores que nunca beijei,/ quando o
tempo for secando/ e eu chorar com minhas rugas/ pelo beija-flor que não ousei
ser?
Aqui, lembro-me do poeta
Olavo Bilac em:
Remorso
Sinto o que desperdicei na
juventude;/Choro, neste começo de velhice,/Mártir da hipocrisia ou da virtude,/Os
beijos que não tive por tolice,/Por timidez o que sofrer não pude,/E por pudor
os versos que não disse!
Ou estas verdadeiros hinos?
A Santa e o Pescador, Lamentações de um solitário, Louco lunar ...
Escolho uma das escritas
em espanhol Segundo o poeta, criadas sobre o solo da Espanha.
Las castañuelas suenan.
Repican y repican
lãs castañuelas.
Los dedos ágiles de la
bailarina
lãs acarician como
ruisenõr
que a los pocos
va libertando sus
trinados.
Quién entenderá
los lamentos
de estos repiques?
Mi corazón anda así...
como castañuelas
en manos de la tristeza
que lo oprime sin parar
hasta que va soltando
-poco a poco-
todo su grito de dolor.
A
tradução para o espanhol foi do também poeta, José Carlos Antônio Freitas
Torres. Leiam o livro e
vão amar voar junto com a veia poética de Estácio Bahia Guimarães.
Shirley Rocha - Jornalista, Presidente da Academia Literária de Vida, cadeira n. 09.