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segunda-feira, 24 de junho de 2019

Das Pedras é que brotam Avencas


Capa: Ilustração de Estácio Bahia

Shirley Rocha

     Acabei de ler Pedras e Avencas, livro de poesias do poeta e cronista, membro da Academia Sergipana de Letras, Estácio Bahia Guimarães. Lançado dia 30 de maio, no Museu da Gente Sergipana, com 225 páginas. Tem capa dura, papel de primeira qualidade. Impresso pela Moura Ramos Gráfica e Editora, da cidade de João Pessoa. As ilustrações trazem a firma de Estácio, há fotos do acervo de seus quadros, de sua filha, de amigos e da web. Percebe-se aí, o gosto de Estácio pela cultura em geral. Ele já ganhou vários prêmios em concursos de artes plásticas, além dos literários (uns ali publicados). Diante do prefácio elaborado pela escritora Ana Medina, apresentação do poeta Santo Souza (in-memoriam), apreciação do poeta Carlos Britto e considerações de Hunaldo Alencar (in-memoriam) seus colegas acadêmicos, entende-se que o livro há muito tempo aguardava hora do lançamento.
     Ainda bem. Tudo foi feito com muito zelo e realmente trata-se de uma obra para se ler sem pressa, carinhosamente. A explicação que ele dá para o título, mais ou menos seria: As pedras são as “durezas” os embates da vida, as avencas o mimo, a delicadeza, que insistem em nascer entre as pedras.  Ele dividiu o livro em capítulos temáticos: Pedras da cidade; Pedras Noturnas; Pedras das lembranças e saudades; Pedras e reflexões. Depois: Avencas da Natureza; Avencas da Natureza Romântica; Avencas Românticas; Avenca Marinha; Avencas e Sonetos. Para concluir tem Avencas Sevillanas e Madrileñas, onze poesias escritas em espanhol. Identifiquei-me muito, pois acredito que tenho alguma coisa de cigana na minha personalidade. Como disse Ana Medina: “É difícil colocar em relevo essa ou aquela preciosidade...”. Mas me atrevo escolhendo justamente a primeira e que dá nome ao livro e pode inclusive ser cantada:

PEDRAS E AVENCAS

O passado debruçado
no peitoril das velhas janelas,
olha com os olhos tristes
as avenidas escuras e vazias,
onde passeiam sombras e névoas
e restos de luzes fugidias;
lembranças que se perderam
erradias pelas encruzilhadas
de ruas e becos sem nomes.

Ah! Cidade desconhecida
que conhece as dores humanas,
guardadas em sua boca de silêncio
e de segredos, que só as calçadas
e os muros de pedras e avencas
testemunharam.

Tantos momentos foram tantos
de luzes, brilhos e de vidas,
que viviam sonhos de eternidade
nas casas, hoje, em ruínas,
com muros de pedras úmidas
descansando em velhas calçadas,
guardando muitos segredos
e hospedando avencas orvalhadas.

     Estácio é antes de tudo um poeta lírico, da poesia clara, límpida, versos compassados, um poeta de vocação saudosista, parecendo sempre apaixonado, outras vezes crítico, em temas políticos e sociais, demonstrando que uma coisa não anula outra. Seu olhar vai do desabrochar de uma flor ao choro de uma criança com fome no colo da mãe, num casebre, sob a força do sol - (por falta de compaixão e gestão dos executivos políticos - digo eu.) Vejam, cada verso é um quadro aos nossos olhos:

ABANDONO

Sol...sol..sol.../Calor devorando o verde./ A terra rachada gemendo/ com o corpo dorido de pó./ Calado o mandacaru definha/ com os galhos crucificados no ar./Os pássaros guardam seus cantos/nas gargantas ávidos de orvalhos./Ossadas armam no chão/esculturas de tristes lembranças./ Secam as flores da madrugada/nos olhos vermelhos de espanto./ As mãos magras desenham/cruzes de medo no peito./ E as bocas que rezam, e não comem,/
Cantam ladainhas silenciosas./Almas e almas feridas de abandono./

     E para concluir ele alerta:

Quero estar longe quando/essas bocas que rezam, e não comem,/se abrirem num grito alongado/quebrando a paz e o silêncio.

    E como advogado ele não se furta da revolta em:

JUSTIÇA
...
Ah! Mulher distante,/despe-se da prata, do bronze/e aquece a frieza de teu mármore./ Veste um vestido de chita/ e calça uma sandália./ Desvenda a venda dos teus olhos/ e olha os fracos à tua volta./ Estende tuas mãos/ às mãos dos desesperados,/que estendidas há séculos, esperam poder ver um dia/ o brilho dos teus olhos desvendados.
     
     É um choro bem atual!  A religiosidade é uma constante nos seus livros: Aqui estão, PROCISSÃO – é quase uma oração; CANTATA PARA O SINO - um lamento falando sobre a igreja da sua cidade; SINOS, que lembram com saudade da amada que ficou lá na igreja...

     Algumas ele ofereceu aos amigos. Escolhi a que ele dedicou à poeta Maria Lígia Madureira Pina (in memoriam):

PRIMAVERA EFÊMERA

Crisântemo, girassóis e rendas/dançam com a toalha no varal;/jardim bordado no banco linho./ O vento vai balançando as flores/ e o sol vai secando o pano./ A lavadeira retira a toalha seca/desprendendo as flores do varal./ Ah! Primavera efêmera,/pendurada nas cordas/lá do quintal.

     Verdade, Estácio, a nossa primavera é efêmera. Apenas o tempo de uma toalha enxugar ao vento.
E tem as românticas... Qual escolher?

SEGREDO


Vou segredar-lhe/um segredo/de nós dois.
Nossos olhares/já contaram/tudo/para/todo mundo.


RECEIO

Flores... Ah! Flores,
que será de mim,/flores que nunca beijei,/ quando o tempo for secando/ e eu chorar com minhas rugas/ pelo beija-flor que não ousei ser?

     Aqui, lembro-me do poeta Olavo Bilac em:

Remorso

Sinto o que desperdicei na juventude;/Choro, neste começo de velhice,/Mártir da hipocrisia ou da virtude,/Os beijos que não tive por tolice,/Por timidez o que sofrer não pude,/E por pudor os versos que não disse!

     Ou estas verdadeiros hinos? A Santa e o Pescador, Lamentações de um solitário, Louco lunar ...
Escolho uma das escritas em espanhol Segundo o poeta, criadas sobre o solo da Espanha.

MEMITACIÓN SOBRE LA CASTAÑUELA
'"El baile"  de Joaquim Sorolla

Las castañuelas suenan.
Repican y repican
lãs castañuelas.

Los dedos ágiles de la bailarina
lãs acarician como ruisenõr
que a los pocos
va libertando sus trinados.

Quién entenderá
los lamentos
de estos repiques?

Mi corazón anda así...
como castañuelas
en manos de la tristeza
que lo oprime sin parar
hasta que va soltando
-poco a poco-
todo su grito de dolor.
          
     A tradução para o espanhol foi do também poeta, José Carlos Antônio Freitas Torres. Leiam o livro e vão amar voar junto com a veia poética de Estácio Bahia Guimarães.
  
Shirley Rocha - Jornalista, Presidente da Academia Literária de Vida, cadeira n. 09.