Lendo
essa primeira produção do estudioso Marcus
Resende, diria em rápidas palavras que o autor não é apenas mais um pesquisador
que emerge no cenário do conhecimento científico, mas um mestre, notável cultor
trazendo sem dúvida, melhor entendimento sobre as doutrinas filosóficas. Membro
do Viva Vox, grupo de pesquisa em Filosofia antiga da Universidade Federal de Sergipe-UFS,
doxógrafo por excelência. Marcus esse pequeno gigante é um dos melhores
professores da língua inglesa que conheço. A vida acadêmica do novel escritor o
credencia a enveredar no campo da pesquisa filosófica: Pesquisador Assistente
do Projeto “A Lógica e a Percepção do Persuasivo no Estoicismo”,
Mestre e atual
doutorando em Filosofia pela UFS, Pós-graduado “Strictu Sensu” em Administração
de Empresa (MBA) pela Campbellsville University (EUA), Pós-graduado “Latu Sensu”
em Gestão Estratégica de Marketing pela FGV e em Comunicação Social –
Propaganda e Publicidade pela Universidade de Fortaleza, Licenciado em
Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e Bacharel em Teologia pelo
Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil – Recife/PE. Identificação procedente,
culminando com o lançamento do seu livro A Retórica Política do Kosmos Social,
ocorrido dia 17 de julho de 2019, às 19h30 no Café do Museu da Gente Sergipana.
Obra de leitura agradável compila magistralmente nas bem estruturadas 148
páginas, verdadeiro tratado, sintetizando seus estudos nas fases da dissertação
de mestrado e atual tese de doutoramento pela UFS. O autor discorreu com propriedade
sobre correntes filosóficas de pré-socráticos, socráticos, chegando com mestria
aos sofistas.
Marcus
Resende tem sido convidado a ministrar palestras, participar de rodas de
conversas filosóficas, enfim, tenta depois do lançamento do bem-sucedido livro,
atender convites que recebe. Para o discente é comum quando o assunto é
filosofia, citar filósofos pré-socráticos indo, assim aos revisitados sofistas,
a exemplo dos sábios: Protágoras de Abdera, Platão, Górgias de Leontinos,
Hípios de Elis, Isócrates de Atenas, Licofon, Pródico e Trasímaco. O autor de A Retórica estudou em profundidade teses, tratados, doutrinas
detendo-se por opção acadêmica nas teses do sofista grego Górgias de Leontinos,
aquele que argumentou com Sócrates sobre Justiça e Verdade.
Em
sua obra o escritor Marcus propõe-se com objetividade invulgar, identificar a
função importante e primordial da retórica sobre o filósofo Górgias refutando
pontos, observando que a resposta de Górgias à indagação de Sócrates, não foi
devidamente construída na narrativa de Platão, ou mesmo não elaborada. O autor com
sua visão do kosmos social (kosmos é ordem) deixa implícita sua vontade de
expor concisamente, fatos acerca da retórica de Górgias de Leontinos,
oferecendo clareza e acima de tudo objetividade na leitura, analisa fatos,
deduz e expõe posições, a exemplo do que escreveu na introdução da obra:
“O interesse desse
livro pelo tema da retórica de Górgias foi suscitado pelo fato de que as
investigações iniciais identificaram que a resposta de Górgias à pergunta do
personagem Sócrates não foi satisfatoriamente construída na narrativa do
escritor Platão, ou nem sequer foi elaborada. Além disso, a narrativa parece apresentar o personagem Górgias como um orador
confuso e incoerente, que não sabe sequer explicar se sua retórica é ou não uma
arte (Górgias 461.) Mais grave ainda, sem explicação alguma, o personagem
Górgias é tirado da cena do diálogo, ainda em seu início, exatamente no momento
em que Sócrates afirma que a retórica de Górgias “não é absolutamente nenhuma
arte” (462b).
A partir dessas
constatações iniciais, estabelecemos que o objetivo da pesquisa... é
identificar a função primordial da retórica de Górgias de Leontinos. Mas, esse
trabalho não tem o foco na interpretação do livro Górgias de Platão, este
aparece aqui como um dos indicativos de que boa parte do que escreveu Platão
sobre Górgias não apresenta necessariamente a visão deste sobre sua própria
retórica.”
Portanto
a obra não se prende aos indícios elencados pelo autor, mas dá luz a um
processo de recuperação da sofística iniciado com Hegel, achando na retórica de
Górgias de Leontinos a resposta que necessitava sobre o poder de sua arte. Nas entrevistas
concedidas, nas palestras e conferências proferidas, o autor discorre com
propriedade sobre A Retórica do Kosmos Social, delineia com precisão cirúrgica,
um ordenamento filosófico não excludente. O mundo precisa de adequação, de
ordem, o kosmos social induz a isto. Os três capítulos da Retórica de Marcus
são bem estruturados, versando sobre: Capítulo I: Górgias e a Sofística -
abordando O século V e o advento da sofística; Renascimento da sofistica no
século XIX e Identificando o Górgias filósofo, retor e político. O autor
destaca:
“Certamente o século V
A.E.C. marcou a filosofia da Grécia com o surgimento de pensadores que
determinaram uma mudança na maneira de fazer filosofia. Para estes, já não mais
interessava falar das coisas da natureza, preocupação maior dos filósofos
pré-socráticos, deixando o homem fora dessa reflexão. Para a sofística, a
verdade não está na natureza, mas no homem que a interpreta. ” Os sofistas eram pensadores que viajavam e
quase sempre se estabeleciam temporariamente em centros de convergência
cultural e política. Havia uma crise da aristocracia grega, e os sofistas
também representavam a voz daqueles que não faziam parte dessa aristocracia,
eram homens comuns de famílias humildes que fizeram do seu trabalho do ensino da
retórica um modo de vida e uma fonte segura de captação de recursos financeiros...
”
Continua
o autor deixando suas marcas precisas, no Capítulo II: Górgias no Teatro em
Atenas: A verdade da experiência comunitária, O discurso de Górgias no teatro,
O logos, A persuasão e O Kairos e a verdade comunitária. Textos da obra
esclarecem:
“A comédia começou como
uma maneira de ridicularizar pessoas da comunidade diante da assembleia, o que,
segundo a crença dos frequentadores do teatro, agradava muito ao deus Dionísio,
especialmente quando apresentada nos festivais fálicos”.
“A ética política,
social, familiar e comunitária se torna um dos temas relevantes nas poesias, e
a comédia serve para expor e criticar desvios éticos observados pela
comunidade”.
“Górgias decide abordar
um tema delicado, mas conhecido por todos os atenienses: o mito de Helena.
Valorizado na Odisséia e na Ilíada de Homero... O senso comum dos presentes no
teatro interpretava o mito como um ato de traição ao povo grego, visto que
Helena era casada com Menelau, um rei grego, mas decidiu abandonar o esposo e...”
Transcrevi
sucintamente tópicos importantes da obra de Marcus, chegando ao final,
abordando o Capítulo III: A verdade metafísica “nada é”, e, A verdade desejada
é a do kosmos social.
“A retórica política
dos kosmos social é uma retórica pedagógica. Górgias é professor e gosta de ser
professor, de estar entre pessoas e alunos falando horas a fio sobre temas
variados de interesse da comunidade. ...
não ensina filosofia nos moldes tradicionais, não tem doutrina filosófica ou
escolar, ele nega esse modelo de ensino de filosofia e de escola. Esse modelo
metafísico fundado em uma filosofia cuja verdade do “Ser é” e o “Não-ser não
é”, já foi bastante ameaçado pelo “nada é”.
“...a retórica política
do kosmos social ensina a técnica retórica porque é no ambiente do duelo
retórico que Górgias faz filosofia, e sem a habilidade
retórica o fazer filosófico não acontece, cai-se novamente na ditadura do saber
metafísico”.
A
luz do que lemos vemos claramente que foi no duelo político que tudo se formou,
não numa batalha bélica, mas na batalha pelo saber, pelo bem falar, saber
defender uma comunidade, enfim a si mesmo, usando como arma, a arte da técnica
retórica.
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Sandra Natividade – cadeira n. 12, Patrona Flora do Prado Maia, também membro da Academia de Letras de Aracaju.