
A caatinga, com sua vegetação peculiar, desperta em mim um incontido saudosismo me remetendo ao passado, mais precisamente a minha avó Minervina a qual viu e andou
por essa região, entre mandacarus, xique-xiques, palmas, percorrendo a pé, da cidade do Pilar em Alagoas em demanda a Juazeiro do Norte para pagar uma promessa. Foi uma aventura e tanto, mas, o mais inusitado foi o encontro dela com Lampião em plena caatinga.
Escutei essa narrativa de minha avó inúmeras vezes, e sempre ficava impregnada de emoções viajando nas asas da imaginação, enxergando cada detalhe, sentindo o irresistível
cheiro e o sabor dos umbus maduros. Destaquei os umbus porque foi embaixo de um umbuzeiro, considerada a “árvore sagrada do sertão”, onde esse encontro aconteceu, o qual
passo agora a expor em detalhes sua fiel narrativa.
Minervina procurou um lugar para descansar e se proteger do sol causticante. Por um milagre divino, assim ela dizia, não encontrou apenas uma sombra, mas, também alimento: um frondoso umbuzeiro se descortinava a sua frente. No chão, espalhados, muitos umbus maduros convidativos; pegou alguns, recostou-se no tronco da árvore e começou a
saboreá-los.
Inesperadamente, viu-se cercada por homens portando armas, com chapéus de couro ricamente enfeitados com estrelas de prata e moedas de ouro, nas mãos, reluzentes anéis. Eram os temidos cangaceiros. Mas, pareciam não se importar com a presença dela, os olhos estavam unicamente voltados para os maturados e deliciosos frutos, os quais rapidamente foram logo recolhidos e colocados em um balaio de cipó. Apenas um se aproximou dela, perguntando:
- O que vosmecê, tá fazendo nessas bandas?
Ela não conseguiu responder; um medo tamanho a fez perder a voz. Ele então repetiu a pergunta:
- O que vosmecê tá fazendo nessas bandas?
Minervina olhou para o homem e tremeu mais ainda, ele tinha um olho cego, reconheceu de imediato, aquele cangaceiro era Lampião de quem o povo tanto falava. Ela gaguejou, com dificuldade conseguiu responder:
- Estou vindo do Pilar para ver meu padrinho padre Cícero lá em Juazeiro.
Lampião não ofendia os romeiros. Assim sendo, dela se aproximou ainda mais, tirou do seu suprido bornal, um bom pedaço de carne de bode seca e uma rapadura e lhe ofereceu, depois reuniu o bando para irem embora, mas antes deixou um recado:
- Diga ao meu “padim” que no caminho encontrou com o capitão Virgulino Ferreira, e ele mandou pedir a benção. Dito isso foram embora.
Ela permaneceu quieta, o susto deixou suas pernas paralisadas, passou a noite ali mesmo, embaixo da árvore e só conseguiu seguir viagem no outro dia.
Ainda muito pequena pude conhecer, através das narrativas de minha avó, um pouco desse bioma tão brasileiro quanto os nascidos nesse solo. Hoje, devastado pela inconsequente exploração dos seus recursos, no que pese sua importância ao meio ambiente, desvenda um cenário desolador, cujo desmatamento o expõe a um processo de progressiva desertificação. Minha intenção ao escrever uma das aventuras de Minervina a caminho de Juazeiro, foi fazer lembrar a todos o bioma esquecido - A Caatinga.
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