UM CULTOR DA SERGIPANIDADE
Sandra Natividade*
Oito de julho de 1820 -
Em plena celebração de Sergipe por sua independência territorial da Bahia, não
apenas o nosso Estado, mas o mundo vive uma pandemia que supera as precedentes,
naturalmente em séculos distintos. Sergipe em festa comemorou considero de
forma atípica, não qualquer ano, mas o Bicentenário de sua Emancipação Política.
Para a grande festa uma comissão de especialistas no assunto havia traçado milimetricamente
todo o programa. Na capital o dia seria regiamente esperado: colégios, sodalícios
culturais, enfim todo sergipano compromissado com sua história aguardava a
festa, certamente, com alvorada, concerto pela Orquestra Sinfônica Estadual com
entrada franca, realmente tudo pronto; entretanto, a pandemia do Covid-19 se
alastrou paulatinamente. Ficamos todos mantendo distanciamento e recolhidos, a
frase que ainda hoje soa nos tímpanos é, “fique em casa”.
As
mídias interativas replicaram a importância da data, as emissoras de rádio e TV
tiveram papel preponderante com depoimentos e ilustrações sobre a importância
desses 200 anos de independência territorial. Sergipe é muito amado e mais uma
vez a imprensa corroborou com isto, com muitas demonstrações de sergipanidade
ouvidas ao longo da semana e pós às comemorações. Ser sergipano chega a ser um
privilégio!
“Alegrai-vos, sergipanos
Eis que
surge a mais bela aurora
Do áureo jucundo dia
Que a
Sergipe honra e decora”
Este tempo de bicentenário me traz à lembrança alguém, que mesmo fora do seu Estado natal sempre enalteceu o tronco familiar em Sergipe, levando nos escritos e no coração amor inapagável por este estado. Um sergipano de real valor, Genolino Amado, filho de Melchi sedech Amado (Melk) e Ana de Lima Azevedo Souza Ferreira (Donana), nasceu em 3 de agosto de 1902 na bucólica Itaporanga d’Ajuda. Melk e Donana não negaram a estirpe nordestina da época e, povoaram o lar com quinze filhos uma prole de peso composta por: Gilberto, Gildete, Pergentina, Gileno, Maria Zulmira, Genoline, Genolino, Gentil, Gildo, Gillette, Gildásio, Gilson, Genne, Genyson e Giuseppe. Fiz questão de listá-los porque alguns desses são conhecidos quando se pesquisa nas áreas de educação jornalismo, literatura e política.
O
menino Genolino foi alfabetizado inicialmente por sua irmã Gildete (Iaiá)
depois pela madrinha Iaiazinha Melo ainda em Itaporanga. O clima político para
Melquisedech não estava bom na cidadezinha fato que o fez mudar-se para
Aracaju, nesta capital o garoto estudou com a tradicional Dona Zuzu, entretanto
com a inauguração do Colégio Salesiano Maria Auxiliadora ele e seu irmão
Giuseppe foram os primeiros matriculados naquela unidade de ensino. Por volta
de 1913 o genitor resolveu sair de Sergipe, pois surgiram condições melhores no
vizinho estado da Bahia. Genolino tinha pouco mais de dez anos, continuou seus
estudos na Bahia inicialmente no Colégio Egydio e depois humanidades no Colégio
Carneiro não deixando de frequentar também os cursos preparatórios
particulares.
Aos
17 anos o jovem ingressou na Faculdade de Direito da Bahia cursando até o
terceiro ano, terminaria esse curso mais adiante. Era 1922 e a família migrou
novamente, desta vez com destino ao Rio de Janeiro naquele ano, marco oficial
do modernismo no Brasil. Genolino se destacou no curso de Direito, mas o moço
sergipano já desenvolvia na prática seus ensaios, crônicas, traduções e
comédias. Em 1924 concluiu o curso de Direito, algum tempo depois de sua
formatura decidiu ir a São Paulo objetivando ingressar de vez na advocacia, entretanto,
envolveu-se com sua autêntica vocação, o jornalismo, no Jornal Correio
Paulistano onde Menotti Del Picchia o indica para substituí-lo na crônica
diária do matutino ficando, portanto, um de seus redatores. A partir dali
surgiria nas páginas do Correio, um novo articulista sob o codinome de Genó.
O
tempo passou e em 1928 o sergipano foi nomeado Chefe da Censura Teatral e
Cinematográfica de São Paulo, interrompendo momentaneamente sua incursão na
imprensa, todavia não se afastou do convívio com intelectuais amigos e
reconhecidos modernistas. Com a Revolução de 1930 perdeu o cargo, retornando ao
jornalismo onde assumiu posição destacada nos Diários Associados, dirigindo
destarte o Suplemento Literário do Diário de São Paulo onde publicava
diariamente suas crônicas no Diário da Noite e, ainda a convite do locutor
César Ladeira iniciou colaboração na emissora Record.
Em
1933 voltou para o Rio de Janeiro assumindo a redação editorialista de O Jornal
e nomeado professor de inglês do curso secundário da então Prefeitura do
Distrito Federal; também trabalhou na Rádio Escola, sob a direção de Roquette
Pinto. A crônica radiofônica parece que lhe corria nas veias, então passou a
escrever para a Rádio Mayrink Veiga nas Crônicas da Cidade Maravilhosa,
interpretadas pelo seu amigo César Ladeira; Genolino apresentou nessa mesma
rádio o programa Biblioteca no Ar conseguindo por duas vezes o prêmio de “O
melhor programa cultural da radiofonia brasileira”. Na Rádio Nacional o mesmo apresentou
Crônica da Cidade, alcançando audiência massacrante.
Genolino
viveu por experiência transmitindo ao público o seu melhor, as crônicas que
produzia eram carregadas pelo sentimentalismo que o caracterizava, por
variações que afloravam sua mente com a rapidez da luz e, a pena certeira dava
espaço a assuntos cada vez mais atraentes ao público. O hábil profissional
trabalhou na crônica por mais de 20 anos, isto na imprensa escrita e
radiofônica, só em Crônicas da Cidade Maravilhosa dedicou 15 anos de sua vida
privilegiada. Em 1937 lançou seu primeiro livro sob o título Vozes do Mundo,
ensaio sobre grandes figuras das letras estrangeiras, sucesso na primeira e
segunda edição que foram esgotadas, daí não parou mais de escrever: crônicas,
comédias, traduções. O ilustre intelectual sergipano como docente foi um dos
mestres fundadores do Curso de Jornalismo na Faculdade Nacional de Filosofia e
Letras do Rio de Janeiro. Genolino por indicação do presidente Getúlio Vargas
foi nomeado: Procurador do Estado da Guanabara, Diretor da Agência Nacional
órgão oficial de imprensa do Governo Federal brasileiro e assessor do Palácio
do Catete.
O
trabalho incessante do escritor o levou a Academia Brasileira de Letras - ABL,
onde ocupou a cadeira nº 32 que tem como patrono Manuel de Araújo Porto-Alegre
honrando, assim, a história
participativa de Sergipe naquele sodalício. Seu irmão Gilberto Amado também
pertenceu a ABL. O nome dos Amado figura no cenário brasileiro de forma
extraordinária. Em seu livro de memórias Genolino destacou:
“Vem
1973. Eleito em agosto e em novembro empossado na Academia de Letras, recebi da
província mostras de apreço que eu não merecia. Foi-me perdoada a longa
ausência porque reatei uma tradição interrompida com o desaparecimento de
Gilberto – a de haver no mínimo um sergipano integrado na instituição em que
Tobias Barreto figura entre os patronos e Sylvio Romero entre os fundadores. O
governo estadual me ofereceu o fardão: na escolha, anualmente feita, dos “10
mais”, lá estou eu incluído e convidado à festa correspondente”. (AMADO
Genolino. Um Menino Sergipano, 1978).
Genolino
saiu de Sergipe menino, voltou por estas plagas apenas umas duas vezes a última
para vir buscar o fardão que recebeu de presente do governo do Estado da época,
mas nunca deixou de referir-se a sua terra com afeto, quando se fala tanto em
sergipanidade e nas comemorações do 8 de julho Bicentenário da nossa
Emancipação Política, bom lembrar de alguém que bem propugnou por Sergipe,
algumas frases de Genolino Amado sobre sua terra natal:
“Sergipanizarei,
portanto, ao léu do que me venha à cabeça, com as reflexões que me ocorram no
instante de escrever”...
“A
semelhança do cearense, sergipano vai até os cafundós do mundo”.
“Sergipanizemos
agora o que sobranceia em Sergipe – as suas marcas intelectuais”.
“E
uma alma só, na essência de todas as almas; em todos os sergipanos a alma de
Sergipe”.
“E havia uma sergipanidade? Em
Itaporanga não tinha eu cabeça que pudesse captar qualquer sinal da sua
existência”.
“Mas,
por ser risonha, Aracaju requer que se fale dela com alegria”.
“Pessoa
que vem zangada, vê Aracaju e continua zangada, não tem jeito mesmo, é caso
perdido”.
“E
ouvi Aracaju dizendo, meiga ao Genolino já septuagenário: Alô Genó”.
“Imagino
que Jeová a um só tempo criou no céu a lua cheia e criou em Aracaju o alto de
Areia”.
Dizem
que os melhores são lembrados por 100 anos, Genolino já dista neste 2020, 118
anos de nascimento, contudo, o legado do ser humano transcende a isto e o faz
lembrado centenário dentro. Ele, o quinto ocupante da cadeira 32 da ABL,
exaltou em seu livro “Um Menino Sergipano” as boas raízes da origem aflorando
sempre o formato que classifico aguçado, perspicaz, apresentando a beleza da
sergipanidade que sempre levou consigo.
Deixou a terra natal precocemente nos prenúncios da pré-adolescência,
mas sem a esquecer.
Genolino Amado, advogado, escritor, professor,
jornalista e tradutor; conterrâneo em todo o tempo surpreendente de valor
inestimável, irrequieto, nunca se acomodou, suas ações dignificaram o estado de
sua origem. Faleceu no dia 4 de março de 1989 aos 86 anos, na cidade do Rio de
Janeiro. Aju, Julho 2020.
*Sandra Natividade - Jornalista, escritora, Cadeira nº 12 da Academia Literária de Vida, Patronesse Flora do Prado Maia e Cadeira nº 19 da Academia de Letras de Aracaju, Patrono Genolino Amado.