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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

GENOLINO AMADO

                                       UM CULTOR DA SERGIPANIDADE


Sandra Natividade*

Oito de julho de 1820 - Em plena celebração de Sergipe por sua independência territorial da Bahia, não apenas o nosso Estado, mas o mundo vive uma pandemia que supera as precedentes, naturalmente em séculos distintos. Sergipe em festa comemorou considero de forma atípica, não qualquer ano, mas o Bicentenário de sua Emancipação Política. Para a grande festa uma comissão de especialistas no assunto havia traçado milimetricamente todo o programa. Na capital o dia seria regiamente esperado: colégios, sodalícios culturais, enfim todo sergipano compromissado com sua história aguardava a festa, certamente, com alvorada, concerto pela Orquestra Sinfônica Estadual com entrada franca, realmente tudo pronto; entretanto, a pandemia do Covid-19 se alastrou paulatinamente. Ficamos todos mantendo distanciamento e recolhidos, a frase que ainda hoje soa nos tímpanos é, “fique em casa”.

As mídias interativas replicaram a importância da data, as emissoras de rádio e TV tiveram papel preponderante com depoimentos e ilustrações sobre a importância desses 200 anos de independência territorial. Sergipe é muito amado e mais uma vez a imprensa corroborou com isto, com muitas demonstrações de sergipanidade ouvidas ao longo da semana e pós às comemorações. Ser sergipano chega a ser um privilégio!

“Alegrai-vos, sergipanos

           Eis que surge a mais bela aurora

Do áureo jucundo dia

         Que a Sergipe honra e decora”

 (Hino Sergipano – Letra: Manoel Joaquim de O. Campos - Música: Frei José de Santa Cecília)

            Este tempo de bicentenário me traz à lembrança alguém, que mesmo fora do seu Estado natal sempre enalteceu o tronco familiar em Sergipe, levando nos escritos e no coração amor inapagável por este estado. Um sergipano de real valor, Genolino Amado, filho de Melchi sedech Amado (Melk) e Ana de Lima Azevedo Souza Ferreira (Donana), nasceu em 3 de agosto de 1902 na bucólica Itaporanga d’Ajuda. Melk e Donana não negaram a estirpe nordestina da época e, povoaram o lar com quinze filhos uma prole de peso composta por: Gilberto, Gildete, Pergentina, Gileno, Maria Zulmira, Genoline, Genolino, Gentil, Gildo, Gillette, Gildásio, Gilson, Genne, Genyson e Giuseppe. Fiz questão de listá-los porque alguns desses são conhecidos quando se pesquisa nas áreas de educação jornalismo, literatura e política.

O menino Genolino foi alfabetizado inicialmente por sua irmã Gildete (Iaiá) depois pela madrinha Iaiazinha Melo ainda em Itaporanga. O clima político para Melquisedech não estava bom na cidadezinha fato que o fez mudar-se para Aracaju, nesta capital o garoto estudou com a tradicional Dona Zuzu, entretanto com a inauguração do Colégio Salesiano Maria Auxiliadora ele e seu irmão Giuseppe foram os primeiros matriculados naquela unidade de ensino. Por volta de 1913 o genitor resolveu sair de Sergipe, pois surgiram condições melhores no vizinho estado da Bahia. Genolino tinha pouco mais de dez anos, continuou seus estudos na Bahia inicialmente no Colégio Egydio e depois humanidades no Colégio Carneiro não deixando de frequentar também os cursos preparatórios particulares.

Aos 17 anos o jovem ingressou na Faculdade de Direito da Bahia cursando até o terceiro ano, terminaria esse curso mais adiante. Era 1922 e a família migrou novamente, desta vez com destino ao Rio de Janeiro naquele ano, marco oficial do modernismo no Brasil. Genolino se destacou no curso de Direito, mas o moço sergipano já desenvolvia na prática seus ensaios, crônicas, traduções e comédias. Em 1924 concluiu o curso de Direito, algum tempo depois de sua formatura decidiu ir a São Paulo objetivando ingressar de vez na advocacia, entretanto, envolveu-se com sua autêntica vocação, o jornalismo, no Jornal Correio Paulistano onde Menotti Del Picchia o indica para substituí-lo na crônica diária do matutino ficando, portanto, um de seus redatores. A partir dali surgiria nas páginas do Correio, um novo articulista sob o codinome de Genó.

O tempo passou e em 1928 o sergipano foi nomeado Chefe da Censura Teatral e Cinematográfica de São Paulo, interrompendo momentaneamente sua incursão na imprensa, todavia não se afastou do convívio com intelectuais amigos e reconhecidos modernistas. Com a Revolução de 1930 perdeu o cargo, retornando ao jornalismo onde assumiu posição destacada nos Diários Associados, dirigindo destarte o Suplemento Literário do Diário de São Paulo onde publicava diariamente suas crônicas no Diário da Noite e, ainda a convite do locutor César Ladeira iniciou colaboração na emissora Record.

Em 1933 voltou para o Rio de Janeiro assumindo a redação editorialista de O Jornal e nomeado professor de inglês do curso secundário da então Prefeitura do Distrito Federal; também trabalhou na Rádio Escola, sob a direção de Roquette Pinto. A crônica radiofônica parece que lhe corria nas veias, então passou a escrever para a Rádio Mayrink Veiga nas Crônicas da Cidade Maravilhosa, interpretadas pelo seu amigo César Ladeira; Genolino apresentou nessa mesma rádio o programa Biblioteca no Ar conseguindo por duas vezes o prêmio de “O melhor programa cultural da radiofonia brasileira”. Na Rádio Nacional o mesmo apresentou Crônica da Cidade, alcançando audiência massacrante.

Genolino viveu por experiência transmitindo ao público o seu melhor, as crônicas que produzia eram carregadas pelo sentimentalismo que o caracterizava, por variações que afloravam sua mente com a rapidez da luz e, a pena certeira dava espaço a assuntos cada vez mais atraentes ao público. O hábil profissional trabalhou na crônica por mais de 20 anos, isto na imprensa escrita e radiofônica, só em Crônicas da Cidade Maravilhosa dedicou 15 anos de sua vida privilegiada. Em 1937 lançou seu primeiro livro sob o título Vozes do Mundo, ensaio sobre grandes figuras das letras estrangeiras, sucesso na primeira e segunda edição que foram esgotadas, daí não parou mais de escrever: crônicas, comédias, traduções. O ilustre intelectual sergipano como docente foi um dos mestres fundadores do Curso de Jornalismo na Faculdade Nacional de Filosofia e Letras do Rio de Janeiro. Genolino por indicação do presidente Getúlio Vargas foi nomeado: Procurador do Estado da Guanabara, Diretor da Agência Nacional órgão oficial de imprensa do Governo Federal brasileiro e assessor do Palácio do Catete.

O trabalho incessante do escritor o levou a Academia Brasileira de Letras - ABL, onde ocupou a cadeira nº 32 que tem como patrono Manuel de Araújo Porto-Alegre honrando, assim,  a história participativa de Sergipe naquele sodalício. Seu irmão Gilberto Amado também pertenceu a ABL. O nome dos Amado figura no cenário brasileiro de forma extraordinária. Em seu livro de memórias Genolino destacou:

“Vem 1973. Eleito em agosto e em novembro empossado na Academia de Letras, recebi da província mostras de apreço que eu não merecia. Foi-me perdoada a longa ausência porque reatei uma tradição interrompida com o desaparecimento de Gilberto – a de haver no mínimo um sergipano integrado na instituição em que Tobias Barreto figura entre os patronos e Sylvio Romero entre os fundadores. O governo estadual me ofereceu o fardão: na escolha, anualmente feita, dos “10 mais”, lá estou eu incluído e convidado à festa correspondente”. (AMADO Genolino. Um Menino Sergipano, 1978).

 

Genolino saiu de Sergipe menino, voltou por estas plagas apenas umas duas vezes a última para vir buscar o fardão que recebeu de presente do governo do Estado da época, mas nunca deixou de referir-se a sua terra com afeto, quando se fala tanto em sergipanidade e nas comemorações do 8 de julho Bicentenário da nossa Emancipação Política, bom lembrar de alguém que bem propugnou por Sergipe, algumas frases de Genolino Amado sobre sua terra natal:

 

“Sergipanizarei, portanto, ao léu do que me venha à cabeça, com as reflexões que me ocorram no instante de escrever”...

 

“A semelhança do cearense, sergipano vai até os cafundós do mundo”.

 

“Sergipanizemos agora o que sobranceia em Sergipe – as suas marcas intelectuais”.

 

“E uma alma só, na essência de todas as almas; em todos os sergipanos a alma de Sergipe”.

 

“E havia uma sergipanidade? Em Itaporanga não tinha eu cabeça que pudesse captar qualquer sinal da sua existência”.

 

“Mas, por ser risonha, Aracaju requer que se fale dela com alegria”.

 

“Pessoa que vem zangada, vê Aracaju e continua zangada, não tem jeito mesmo, é caso perdido”.

 

“E ouvi Aracaju dizendo, meiga ao Genolino já septuagenário: Alô Genó”.

 

“Imagino que Jeová a um só tempo criou no céu a lua cheia e criou em Aracaju o alto de Areia”.

 

Dizem que os melhores são lembrados por 100 anos, Genolino já dista neste 2020, 118 anos de nascimento, contudo, o legado do ser humano transcende a isto e o faz lembrado centenário dentro. Ele, o quinto ocupante da cadeira 32 da ABL, exaltou em seu livro “Um Menino Sergipano” as boas raízes da origem aflorando sempre o formato que classifico aguçado, perspicaz, apresentando a beleza da sergipanidade que sempre levou consigo.  Deixou a terra natal precocemente nos prenúncios da pré-adolescência, mas sem a esquecer.

 Genolino Amado, advogado, escritor, professor, jornalista e tradutor; conterrâneo em todo o tempo surpreendente de valor inestimável, irrequieto, nunca se acomodou, suas ações dignificaram o estado de sua origem. Faleceu no dia 4 de março de 1989 aos 86 anos, na cidade do Rio de Janeiro. Aju, Julho 2020.


*Sandra Natividade - Jornalista, escritora, Cadeira nº 12 da Academia Literária de Vida, Patronesse Flora do Prado Maia e Cadeira nº 19 da Academia de Letras de Aracaju, Patrono Genolino Amado.