Foto: TVMinas |
Izabel Melo
Minha rua era feita de pedras retiradas das margens dos rios, substituindo a antiga de terra batida. Suas formas irregulares e escuras, aparentavam um aspecto rústico e belo quando molhadas pela água da chuva. Ao anoitecer, deitávamos sobre elas para observar o céu, tentando em vão contar as inúmeras estrelas que brilhavam acima das nossas cabeças. Ali, também servia de palco para as brincadeiras, corríamos sobre as pedras, sem que representassem obstáculos ao nosso divertimento.
A rua era viva de gente, transeuntes que apressavam os passos para chegar ninguém sabe aonde, moradores entrando e saindo de suas casas, crianças correndo pra lá e pra cá. Por ela, não passavam automóveis, só as carroças produzindo um som característico do bater de cascos dos cavalos, nas pedras escorregadias. Começavam a trafegar logo ao amanhecer e, paravam quando o sol se despedia, dando um necessário descanso aos incansáveis animais.
Um dia, fomos surpreendidos com a chegada de caminhões e trabalhadores, acompanhados pelo engenheiro da prefeitura, nos informando que dariam início a pavimentação da rua. Não se importaram sobre o que, nós, moradores, poderíamos pensar, ou se queríamos aquela modificação, simplesmente iniciaram as obras.
Não tivemos escolha, apenas nos tornamos meros espectadores daquela imposição em nome da modernidade. As pedras foram sepultadas sob grossas camadas de asfalto, e, com elas, ficaram impressas, minhas pegadas, meus primeiros passos, minhas corridas, meus tropeços.
As pedras, na maioria das vezes são consideradas empecilhos, por dificultarem o caminhar daqueles que têm pressa. Mas, nem sempre é assim. Às vezes, precisamos delas para retardar nossos passos, parar e dar meia volta, ou simplesmente transpô-las com mais segurança.
Hoje, quase não consigo andar por ela, pois tenho que me desviar de carros, motos e bicicletas que por lá trafegam. Perdeu totalmente o encanto do passado, transformou-se em uma rua sem memória.
Aquelas pedras originárias dos rios, deveriam ficar visíveis, pois, foram geradas acompanhando o movimento das águas e, agrupadas na rua, acostumaram-se com o ir e vir das pessoas. Tenho saudades delas, afinal, como dizia Drummond, “no meio do caminho tinha uma pedra “, para mim, não apenas no meio, mas em toda a sua extensão, tinha dezenas, centenas de pedras que foram retiradas do meu caminho.
* Izabel Melo - engenheira agrônoma, poeta, cronista, contadora de história. Membro da Academia Literária de Vida, cadeira n 15 - Patrona Rosa Moreira Faria.