Cléa Brandão |
Shirley Rocha*
E ela tinha escrito no Casa-de-Farinha e seus escritos:
Aporé-Goiás
Aí há terras tão... férteis
Aí se vê gado... do bom
Seu chão vermelho... cheiroso
Guardando tantas estórias.
Lá, um rio ao pé – o Aporé
Seu ar, seu cheiro...brejeiro.
Quanta querida gente...parente,
Aquecendo o coração da gente
As lembranças afixadas na mente
De quem lhe visitar
E que Deus me permita...voltar.
E voltou... Quem não gosta de relembrar a infância e assim rejuvenescer por momentos? Eu gosto muito. Cléa em 2005 lançou o primeiro Casa de Farinha, - não só sobre a casa de farinha (69 páginas), mas e outros escritos, como crônicas, poesias, discursos, tipos inesquecíveis e perfis de personalidades e amigos (aqui já começou a idealizar o livro sobre seu pai, Rosalvo Queiroz). São 180 páginas- Gráfica Editora J. Andrade. Uma das poesias abre esse texto. Escreveu o primeiro e ficou com saudade. No segundo deixou a Casa de Farinha dominando as 93 páginas – Editora ArtNer Comunicação. Assim, incluiu casos novos, nos existentes deu retoques e temperou com manifestações alegres e pertinentes. Dos novos destaco a Novena que em síntese foi assim: Numa dessas férias no interior, Cléa participou de uma novena, patrocinada por uma vizinha que enfeitou o altar com flores de papel de crepom e velas, de cima a baixo. Ela, fantasiada de anjo, com vestido de seda e asas, ouviu da anfitriã da noite o enérgico aviso: - Não se mexa! Durante a reza, não se sabe como, a asa do anjo de Cléa iluminou-se, era fogo! Velas e papel crepom pertos não são bons companheiros, não é bom sinal, minha gente! Graças ao pai dela que correu em seu socorro, Cléa foi salva do incêndio. Porque obediente, ela não havia se mexido do lugar, mesmo com o fogo nas costas. Deve ter sido muito difícil para ela!
Vale repetir aqui as palavras do imortal Dr. Antônio Porfírio de Matos Neto sobre o livro: “As memórias descritas por Cléa ganham molduras, tomam feição, surge com gosto e sabor a cada palavra. A escritora nos coloca perante um álbum onde é possível- ainda- reencontrar e vivenciar os tempos idos. O seu memorialismo é tão vivo e pulsante que as vozes antigas ainda são ouvidas, as presenças ainda são interagidas, as pessoas continuam seus afazeres de cada dia.”
E realmente é assim; parentes e amigos são enaltecidos, sabores e cheiros das comidas, não saíram da memória, mesmo após tanto tempo. Tudo pode ser lembrado em sua narração, principalmente para quem algum dia viu uma farinhada, ou melhor, ainda, participou dela arrancando as raízes na roça, açoitando os cavalos com “caçoas” cheios de mandioca até a casa e despejando no meio da sala; colocando a mão na terra da casca da mandioca; sentindo o cheirinho da “mandipoeira” escorrendo da massa espremida na prensa e caindo no cocho; o calor que brota do forno quando se joga a massa fresca já peneirada; se dispuser a peneirar a tapioca só para ficar com as mãos lisinhas; e tentar misturar a tapioca com coco, açúcar e cravo (meleca!) para fazer o beiju a ser servido com café... É eu conheci, vivi e trabalhei na minha infância, na fazenda do vovô e vovó, pais da minha mãe. A casa de farinha era vizinha a casa sede; de lá se ouvia o ronco da cevadeira. E de onde minha avó gritava- Juca venha! E logo chegava meu avô com nove pessoas e tomando assento ao redor da mesa para o desjejum. Férias de junho e dezembro. Que bom!
Quem não viu, talvez não veja mais. Hoje as casas de farinha estão bem modernas, trabalham com motor elétrico e outras inovações. Mas, para quem conheceu uma casa de farinha da antiga - é ler Casa de Farinha 2- para matar a saudade e quem não teve esse prazer - é só se colocar no lugar de Cléa para entender sua saudade.
Shirley Rocha - jornalista, Cadeira N. 09- Patrona Núbia Marques.